Carnaval - Motivação diferente (Richard Simonetti)

Em reduzido grupo íntimo, numa sessão de estudos doutrinários e prática mediúnica, alguém sugere que se fale do carnaval. Acendem-se os ânimos. 
Empolgam-se defensores e críticos, apresentando opiniões contraditórias. 

- É uma festa perniciosa - comenta o senhor Cerqueira, velho estudioso do Espiritismo. E acentua: - O número de acidentes e de mortos registrado nesses dias, somado aos dramas passionais, jovens seduzidas, remorsos desajustantes e as monumentais ressacas que não raro disparam complicadas moléstias, seriam mais que suficientes para justificar a proibição dessa autêntica loucura coletiva. 

- Ora, ora, não exageremos - responde um dos companheiros. Afinal, é uma festa do povo, em que as tensões acumuladas durante o ano se desintegram ante a alegria contagiante dos corações. Mas, Cerqueira emenda rápido: 

- Você diria melhor, alegria artificial das libações alcoólicas, porquanto sem a anestesia da consciência pela bebida, raros se aventurariam a participar do reinado de Momo. Quanto ao pretenso "alívio das tensões", há um preço muito alto que o folião paga, além do tremendo desgaste físico: é o envolvimento com entidades das sombras. O ambiente dessas festividades é profundamente desajustado, com a presença de Espíritos viciados que chegam a promover perigosas obsessões. Muitos jovens fazem sua iniciação nas lamentáveis aventuras com tóxicos nesses dias de exaltação dos sentidos, em que são facilmente envolvidos pelas sugestões das sombras. 

- Se o senhor me permite - interrompe outro defensor do carnaval - não podemos esquecer a questão da sintonia. Se eu entro num salão monástico apenas para distração, sem alcoólicos, sem intenções libidinosas, guardando respeito e compostura, jamais serei envolvido pelo desequilíbrio do ambiente. 

- Sim - rebate Cerqueira - mas, com semelhante comportamento, duvido que se disponha a participar, já que o carnaval é a consagração da inconsequência, diante da qual é quase impossível manter o equilíbrio. 

Várias opiniões foram emitidas pelos presentes, dividindo-se as tendências, até que, terminado o tempo reservado aos estudos, o dirigente da reunião convidou os companheiros à concentração, ensejando-se a palavra dos amigos espirituais. Pela psicofonia mediúnica manifesta-se Celino, dedicado orientador do grupo, que após os cumprimentos habituais, fala: 

- Apreciamos o interesse de todos pelo assunto. Toda troca de idéias efetuada com respeito pelo interlocutor e espírito de aprendizado é sempre proveitosa. Devemos considerar, entretanto, que, em base de simples argumentação, sempre conseguiremos justificar, perante nós mesmos, qualquer comportamento, seja o adultério, a violência, a injúria, a mentira, a guerra e também o carnaval. Cada indivíduo permanece em determinado estágio de evolução e tenderá a racionalizar ou ajustar as circunstâncias e as idéias em torno do que considera suas necessidades essenciais como ser humano. Por isso, muito mais importante que as discussões em torno do que deve ou não fazer é o nosso empenho no sentido de nos ajustarmos aos padrões éticos do Evangelho, que exprimem, em síntese, o comportamento mais adequado. Na medida em que a Boa Nova comandar nossa vida, saberemos o que fazer, participando das atividades sociais apenas quando elas puderem fazer parte de nosso empenho em favor de um mundo melhor. Aquele que hoje defende a legitimidade de sua participação em festas mundanas é livre para escolher suas próprias experiências. Mas, na medida em que se integrar na vivência evangélica e se empolgar por seus ideais, fatalmente terá outras motivações. Então, seu interesse será o de aproveitar melhor as folgas desses dias, seja emprestando seu concurso numa entidade socorrista, seja compondo uma equipe de trabalho que atenda a famílias necessitadas, seja participando de grupos de estudo em torno de problemas comunitários, sociais ou doutrinários 

...Essas iniciativas lhe permitirão, de uma forma muito mais eficiente, superar tensões, sem os riscos da inconsequência, e desfrutar de alegria autêntica, sem dramas de consciência e sem ressacas na quarta-feira. 

Ante a pausa mais longa, um dos ouvintes comenta: 

- Suas palavras, irmão Celino, são sempre judiciosas. Vivendo o espírito do Evangelho, certamente teremos motivações mais nobres. Todavia, como efetuar essa substituição de valores? De minha parte, confesso que ainda estou muito preso às festas mundanas, particularmente o carnaval... 

- O problema - explica o orientador - é de seleção e iniciação. Usando a inteligência, devemos escolher as experiências que realmente interessam à nossa economia espiritual, como seres eternos, em aprendizado na Terra. Isto feito, é partir para a atividade em torno dessas experiências. Dentre elas, o Evangelho é a mais nobre e proveitosa, porquanto temos em suas lições o caminho de nossa integração na Vida. É a chave de nossa comunhão com Deus. Mas, antes que o Evangelho se torne a coisa mais importante de nossas vidas, é preciso que nos importemos um pouco com ele. Antes que o Evangelho nos inspire atividades mais proveitosas que o carnaval, é preciso que nos disponhamos à iniciação em torno delas. Por isso, não basta trocar idéias. Toda discussão envolvendo problemas de comportamento não modificará de um centímetro nossas tendências, enquanto não partirmos para o campo decidido da ação. Se o Evangelho é o guia de nossas vidas, não percamos tempo discutindo se devemos ou não participar dos festejos de Momo. Quem desejar, que o faça, considerado o clima de liberdade que a Doutrina Espírita oferece aos seus adeptos, mas busquemos o Cristo hoje, praticando o bem que ele recomendou, para compreendermos depois, que nenhuma festa da Terra tem condições de oferecer as flores de alegria que colhemos, as bênçãos de conforto, paz e esperança que felicitam nosso coração, quando estendemos as mãos aos nossos irmãos, servindo sempre, em plenitude de vivência evangélica. 

Despede-se Celino, deixando aos amigos da Terra um novo estímulo para que selecionem suas experiências e façam sua iniciação em busca do melhor.

Autoria: Richard Simonetti


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