Não há remédios técnicos ou códigos de conduta para insuficiências ou "distrações” éticas.

A mais ínfima verdade pode superar a mais poderosa mentira. 

A mais insignificante das perfeições é preferível à mais sonante das imperfeições. 

A mais desinteressada autenticidade é superior ao maior palco do fingimento. 

O custo da mais cristalina coerência é mais gratificante do que o ganho da mais oportunista incoerência. 

A lei formal é o patamar da ética, mas jamais poderá ser o seu edifício completo. 

O conjunto do que é moralmente aceitável (o legítimo) é mais exigente do que é juridicamente aceitável (o legal). 

Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe, mas que se nos devem impor. 


Na rota das ilusões, os princípios não têm valor de troca por maior que seja a mordomia ou por mais reles que seja o potencial favor ou ganho. 

E o que vemos? 

O elogio privado, público e social da mentira, da imperfeição, do fingimento, da batota. 

A escassez e o atrofiamento do senso comum. 

O esfarelamento da noção kantiana de dever. O direito reclamado sem o inerente dever. 

O verbo parecer a obnubilar o verbo ser, esmagado, por sua vez, pela medida do verbo ter. 

A coerência da incoerência (logo, o descrédito) a troco da aparência de se ser diferente enquanto se é (algum) poder ou (algum) contrapoder. 

Se é dos meus é bom, se é dos outros é mal, mesmo que seja exatamente o mesmo que se está a qualificar: umas vezes a benigna compreensão e a dúctil ou envergonhada crítica para quem, antes, vociferava sem contemplações. E vice-versa. 

No fim, todos perdem respeitabilidade. Perdemos todos. A ética intensiva a enfraquecer-se pelo, ora em moda, “benefício do contexto” condicional. 

Por isso, a indigência moral e a indiferença ética medram quando se lhes junta um indulgente ou falacioso “se”, “mas”, “talvez”, “quase sempre”, “salvo se”, “mais ou menos”. 

Não há remédios técnicos para insuficiências ou “distrações éticas”, nem para pretensas justificações adversativas. 

Nem reparações monetárias para anestesiar potenciais conflitos de interesse. 

Nem códigos de conduta para “anistias retroativas”. 

Nem manejáveis palavras de circunstância, que fazem dos outros idiotas ou paspalhões. 

Em ética pública, não há o meio-termo, lugar geométrico da indiferença onde tudo vale por nada valer. 

Mesmo que se lhe chame código de conduta e que, como o novo código da estrada, preveja 12 pontos para infrações. 

Há atitudes que se devem ter, aprender e robustecer nos embates da vida e na mais genuína pedagogia do direito ao erro. 

Sobretudo em situações em que até uma criança com a sua ingenuidade sabe distinguir. 

Mesmo que a criança não saiba o que significa Goldman, Galp ou outra coisa qualquer. 

A ética da convicção e a ética da responsabilidade não são contraditórias. Completam-se uma à outra e constituem no seu conjunto a expressão do “homem autêntico”, assim resumiu magistralmente Raymond Aron a medida certa para o exercício de funções de grande responsabilidade pública. 

O resto é poeira, poluição, falta de nível, oportunismo, pântano ético. Mesmo com todos os códigos de conduta na parede dos poderes. 


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