A Moral Mediúnica (Herculano Pires)

O fato de Kardec considerar que a Mediunidade não depende da Moral, pois se relaciona com o corpo, serviu de motivo para explorações dos inimigos gratuitos do Espiritismo, que passaram a proclamar a falta de moral no Espiritismo. A afirmação kardeciana se confirma nas pesquisas atuais da Parapsicologia, como já se confirmara nas pesquisas da Metapsíquica. Nas experiências espíritas posteriores a Kardec também se confirmou essa distinção. E isso porque, como se vê no O Livro dos Médiuns, a mediunidade não é uma graça ou um dom especial concedido a criaturas privilegiadas, mas uma faculdade humana como as demais. A moral do médium determina o seu comportamento como criatura humana e regula as suas relações com os espíritos. A questão moral não surge da faculdade mediúnica mas da sua consciência.

Não se pode dizer que um médium entregue as práticas maldosas ou a objetivos condenáveis, contrários ao senso moral, não seja médium. Assim como há criaturas boas e más na Terra, há espíritos maus e bons que com elas se afinam e se servem da sua mediunidade para fins maus ou bons. Se o médium sem moral se corrigir e passar a portar-se pelos princípios morais, passará a servir aos espíritos bons através da sua mesma mediunidade. Assim acontece com todas as faculdades humanas. O homem pode aplicar a sua inteligência para o mal ou para o bem, mas a sua inteligência é sempre a mesma, quer atue num ou noutro campo. A maldade da linguagem não depende da língua, mas da mente que a usa. O mesmo acontece com todas as faculdades humanas. 

O que gerou esse mau entendimento do ensino de Kardec foi a crença ingênua de que Deus só concede benefícios a criaturas santificadas, quando os fatos nos mostram o contrário: as criaturas más, perversas e viciadas são as que mais recebem os benefícios de Deus, que deseja desviá-las de seus erros pela transformação da consciência e não pela força, pois através desta a transformação seria forçada e não natural, espontânea e verdadeira. Deus nos corrige através de suas leis, tanto as leis naturais quanto as leis morais, que devemos conhecer os seus efeitos na própria experiência com elas. Na sua misericórdia, concede boas faculdades aos maus para que eles aprendam a ser bons. Se através das boas faculdades praticarem o mal, receberão a paga fatal de seus atos nas conseqüências da maldade praticada. 

Quanto a ligação da mediunidade com o corpo, que muitos espíritas não entenderam, confundindo-a com uma suposta origem orgânica da mediunidade, trata-se de coisa muito diferente disso, a mediunidade está ligada ao corpo pelo espírito que a ele se liga, mas não pertence ao corpo e sim ao perispírito, que enquanto estivermos encarnados faz parte do corpo e permite a ligação do espírito comunicante com o perispírito do médium. É o grau maior ou menor da possibilidade de expansão das energias perispirituais, no corpo do médium, que determina a maior ou menor flexibilidade do médium na recepção das comunicações. Quando os espíritos dizem que a mediunidade, que a faculdade mediúnica liga-se ao organismo e independe da moral, confirmam a posição de Kardec. O perispírito controla o organismo, como provaram as pesquisas soviéticas das funções do corpo bioplásmico do homem.

O moral mais acentuadamente na língua francesa do que na portuguesa, representa o conjunto de atividades mentais e psíquicas da criatura. É evidente que a dependência orgânica da mediunidade decorre da ligação espírito-corpo, através do perispírito. Quando falamos, usamos o equipamento fônico do corpo para uma comunicação mental que não é de ordem orgânica, tanto que, nas manifestações mediúnicas e nas experiências telepáticas atuais, a voz do espírito (de morto ou vivo) identifica-se pela sua tonalidade e timbre, que o desaparecimento do aparelho vocal na morte não permitiria repetir-se. 

A existência da mediunidade, determinando mudanças no comportamento dos médiuns, necessariamente dá origem à Moral Mediúnica. Sabemos que a Moral é um sistema de regras ou normas de conduta, derivadas dos costumes e das tradições de uma determinada cultura. Os costumes derivam, por sua vez, das necessidades de ordem e respeito humano das estruturas sociais. Isso levou os materialistas a considerarem a Moral como simples mecanismo de manutenção e defesa da sociedade, variando de povo para povo, não raro de maneira contraditória. Não passa de uma convenção pragmática. Mas os estudos mais profundos de Bergson e outros mostraram que Moral e Religião são formas de projeção das exigências da consciência nas estruturas sociais. 

A negação materialista da Moral Absoluta e a negação positivista da Moral Metafísica tiveram então de enfrentar a tese bergsoniana da Moral Consciência. A Moral existe como absoluta e Metafísica nas aspirações de ordem, justiça, beleza e bondade dos anseios humanos de transcendência. Em sentido geral, podemos dizer que a Moral é a busca da realização do Bem na Terra. Não seria possível que uma doutrina de elevação e aprimoramento do homem, como o Espiritismo, deixasse de produzir um tipo de Moral. O aparecimento da Moral Mediúnica logo se fez sentir, orientada nos rumos superiores da Moral Cristã. Mas se esta, assim chamada, desviou-se em muitos pontos da Moral do Cristo, a Moral mediúnica agiu no sentido de reação espiritual para o restabelecimento da Moral Evangélica. É sobretudo no O Livro dos Espíritos e no O Evangelho Segundo o Espiritismo que encontramos as leis da Moral Mediúnica. 

A comprovação científica da sobrevivência do homem após a morte, através da Mediunidade, mostrou a relação direta entre Mediunidade e Moral e, portanto, entre Espiritismo e Moral. O médium tem, nos princípios de moral, as normas ideais da sua orientação no mundo. Se as conhecer e seguir, sua mediunidade será altamente benéfica, posta a serviço dos Espíritos Superiores, seja no campo da assistência aos espíritos inferiores desencarnados e encarnados, seja na área das atividades doutrinárias de ordem social ou especificamente no plano cultural da transformação dos conhecimento humanos, para compreensão espiritual da vida. A transformação do mundo se faz pela conversão. Não se trata da conversão a uma seita, a um tipo especial de fé, mas da conversão dos valores mundanos em valores espirituais. O médium é um servidor do espírito e para servi-lo terá de integrar-se nas condições espirituais que traz em si mesmo, na sua essência humana. 

O próprio desenvolvimento da mediunidade lhe ensina isso. As funções mediúnicas mudam a direção do seu campo visual e perceptivo. Ele se desliga, se desimanta da realidade mundana para focalizar em sua sensibilidade as perspectivas do espírito. Essa esquizofrenia divina caracteriza os estágios superiores da evolução anímica em que a realidade concreta se converte na abstração das idéias, dos conceitos, dos sonhos, dos anseios utópicos. O sonho dos poetas e artistas e a utopia que leva os mártires ao suplicio são os primeiros sinais do alvorecer da mediunidade na esteira da reencarnação. O espírito sobe do sensível platônico (do concreto) para o inteligível (o abstrato) que é a visualização das essências. Por isso Platão, nos seus últimos anos, sentia-se incapaz de transmitir erro palavras as percepções do seu mundo das idéias. E por isso Paulo de Tarso, que imantado às tradições violentas do Judaísmo, perseguia o Cristo, ao receber o impacto da existência espiritual do Mestre, na Estrada de Damasco, desliga-se do mundo de falsas imagens em que vivia, perde a visão das coisas e mais tarde a recobra num ângulo superior, com os passes de Ananias, convertendo-se ao Cristianismo nascente.

O desenvolvimento espiritual de Paulo o leva, naquele instante, à conversão cristã pelo batismo do espírito, nas águas invisíveis da mediunidade. Dali por diante ele será inspirado por Estêvão, o mártir que ele mandou lapidar na sua loucura mundana. Tudo se converte ao seu redor, o mundo em que passa a viver não é mais o da arrogância e da brutalidade, mas o mundo da abnegação e da humildade. O Doutor da lei converte-se em aprendiz e servo da realidade cristã. 

A mecânica da conversão é irreversível, porque decorre de um processo de amadurecimento psíquico, no desenvolvimento das potencialidades do espírito. As potencialidades desenvolvidas elevam o grau consciencial da criatura e alargam o seu campo visual e perceptivo. O convertido, como aconteceu com Paulo, despe-se de todo o seu passado, mesmo à custa dos maiores prejuízos no plano material e mundano, para integrar-se numa compreensão superior da realidade. Só podem regredir os pseudos convertidos do formalismo religioso, da dogmática artificial das igrejas, que nada mais fazem do que trocar de dogmáticas, sem tocar nem de leve a fímbria da Verdade. 

O poder do Evangelho vivo e puro é semelhante ao do sol, que amadurece os frutos sem que estes possam voltar a condição de verdes. Daí a razão do ensino de Kardec no tocante a inconveniência do proselitismo forçado. Que cada qual fique onde está, na escala evolutiva das crenças religiosas, pois o conhecimento espiritual requer tempo e maturação de cada criatura. Assim sendo individualmente, também o é coletivamente. O mundo só pode completar a sua conversão, iniciada pelo Cristo, quando estiver maduro para isso. Não obstante, não temos o direito de cruzar os braços ante as dores do mundo. Nosso dever é trabalhar incessantemente para que a concepção espírita, o que vale dizer o ideal cristão em sua pureza primitiva, esteja sempre ao alcance de todos, particularmente das novas gerações. 

A moral mediúnica não é simples repetição dos preceitos evangélicos usados pelas religiões na medida de suas conveniências e aplicadas a sociedade no resguardo de seus interesses. É a moral total ensinada e vivida por Jesus, interpretada em profundidade e sem temor pelos que realmente a compreenderam, como vemos no exemplo de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Kardec desvestiu os Evangelhos de todos os adereços mitológicos e supersticiosos dos textos clássicos (escritos no clima da Era Mitológica) para destacar apenas o ensino moral do Cristo, que é a essência de toda espiritualidade verdadeira. Nada de aparatos e fantasias, nada de simbologias misteriosas, apenas a verdade clara dos princípios, e estes desenvolvidos em todas as suas possibilidades de aplicação. 

Não são rígidos os princípios da verdadeira Moral Cristã. São claros e flexíveis, dessa flexibilidade funcional que permite a sua aplicação nos mais variados aspectos da existência. O princípio do Amor é o centro luminoso desse leque de conceitos que se abrem nas dimensões da consciência. Dele parte a normativa de todos os demais princípios. A antiga atitude de suspeita e desconfiança em relação aos outros, quando não de repúdio e hostilidade, transforma-se em simpatia e recolhimento para todas as criaturas. O médium é afável e serviçal, pois conhece os deveres da fraternidade ativa no trato com a imensa irmandade humana. Amar aos inimigos era um absurdo, uma ideia louca para a antiguidade.

Perdoar indefinidamente aos que erram parecia um incentivo ao erro, um estímulo ao crime. Dar a mão direita ao que bateu na esquerda, uma prova de covardia ou insanidade. Dar a capa também ao que nos pede o vestido, uma prodigalidade tola e perigosa. Acertar o passo com os adversários nos caminhos do mundo, uma imprudência suicida. Suportar com paciência os que nos ofendem e perturbam, nada menos do que entregar-se ao abuso dos atrevidos. Livrar-se dos excessos da fortuna para não ser ladrão dos que nada possuem, uma forma perdulária de incitar a preguiça, à malandragem. Aconselhar aos rebeldes a não-violência, uma forma indigna de aprovar o direito da força. Não cobiçar as posses alheias, uma asfixia do poder de conquista. 

Manter a firmeza das palavras: sim, sim; não, não, uma carência de habilidade e astúcia. Não roubar, não mentir, não cultivar a hipocrisia e a traição, uma traição a si mesmo. Ser sincero não enganar nem fraudar, o caminho da derrota e da miséria . Todos esses princípios de uma conversão estúpida forçaram os homens apegados ao mal e ao egoísmo a procurar os meios falaciosos de fraudá-los. E dessa fraude universal do direito e da verdade surgiram os anti-evangelhos das concessões igrejeiras com o rendoso comércio das indulgências. A Moral Cristã reverteu-se na moral dos homens devorados pelos instintos ferozes da selva. 

Dois mil anos do domínio do Anticristo em nome de Cristo arderam no delírio das controvérsias, das simulações, das perseguições em nome da piedade divina, das lutas e matanças que ensanguentaram toda a Terra, para saciar a sede e a fome de conquista dos dominadores. Além da crucificação do Cristo foi necessário o suplício dos mártires e a matança sem limite dos inocentes, na defesa da moral cristã revirada no avesso das morais arcaicas. Só então foi possível, graças ao florescimento das gerações renovadoras, o impacto das eclosões mediúnicas e a ressurreição do culto pneumático (do grego: pneuma, espírito), no reconhecimento difícil da faculdade mediúnica, ainda hoje torturada pela brutal incompreensão dos que não conseguiram elevar-se um pouco acima das convenções condicionadoras de atitudes e comportamentos anticristãos. O amor humano voltou à sensualidade desbragada dos cultos pagãos, como advertiu Paulo aos Coríntios . 

A Moral Mediúnica, entretanto, não cedeu. As experiências da prática espírita revelaram a situação desesperada em que se encontravam, na ressurreição imediata, não da carne, mas do espírito dos mortos, os que haviam tripudiado sobre os ensinos do Mestre. Kardec, em O Céu e o Inferno, provava a possibilidade de saber-se neste mundo, o que se passa no outro. Os quadros das aflições umbralinas, dos espíritos que não conseguiram ir além dos umbrais da Terra, permanecendo nas regiões inferiores do mundo espiritual eram realmente infernais, embora não tanto como na imaginação dos teólogos, torturadores criadores de demônios. Os que haviam, por seus méritos, alcançado os planos superiores, não viviam entre anjos e revoadas, mas gozavam de situação realmente feliz. Além disso, as pesquisas kardecianas revelavam, confirmando Paulo, em contradição com os teólogos, que a ressurreição de Jesus não fora no corpo carnal, mas no corpo espiritual, e que os mortos não esperam o Dia do Juízo para ressuscitar, pois, ainda de acordo com Paulo, ressuscitam logo após a morte. 

Kardec lembrava que os teólogos não haviam conseguido localizar o Purgatório, mas ele o fazia, indicando que o lugar de purgação era a Terra, em nosso sistema solar, e mundos de condições semelhantes as do nosso planeta, em outros sistemas. A vaidade humana sentia-se ferida na tola pretensão de estarmos, como queria o Dr. Pangloss, no melhor dos mundos. Ruíam as pretensões igrejeiras ante essas revelações baseadas em pesquisas sérias, feitas com rigor científico mas a Igreja investia furiosa contra o Espiritismo, que lhe roubava o direito aos segredos de Deus. Dali por diante, as criaturas bom-senso não comprariam mais os passaportes eclesiásticos para as mansões celestes. Não obstante a situação das almas do Purgatório era tão grosseira que elas continuariam a negociar nos guichês sagrados todos os sacramentos supostamente capazes de levá-las ao Céu, como ainda hoje o fazem. 

A Moral Mediúnica não se impunha e não se impõe de maneira coercitiva ou ao tilintar das moedas. Abolindo a simonia mostrava que só existe realmente uma maneira de se conseguir o passaporte para o Céu: a prática da caridade cristã humilde silenciosa e secreta, sem alardes e intenções mercenárias. Os vendilhões do Templo eram novamente expulsos com bois e carneiros sacrificiais, mas dessa vez com o chicote invisível das manifestações mediúnicas. Restabelecia-se o princípio evangélico do daí de graça o que de graça recebestes. Nem um só dos atos mediúnico poderia ser pago, pois não se vende o que não se possui. Esse é um dos princípios mais exigentes da Moral Mediúnica. O médium que a viola desrespeita as próprias palavras do Cristo e se faz ladrão perante sua própria consciência. 

A Moral Mediúnica substitui o sacerdócio remunerado pelo mediunato gratuito. As mãos do Médium devem estar marcadas nobremente pelos calos do trabalho com que se sustenta e limpas de interesse materiais em tudo quanto fizer, pois não lhe cabe o direito de cobrar o que recebeu para prática do amor ao próximo. O Médium sabe e confirma experimentalmente, no exercício das suas funções espirituais - na ajuda ao doente e aos desvalidos, na assistência ao moribundo e ao desesperado, no ensino doutrinário e na pregação evangélica e assim por diante - que não pode vender o que não é dele, que não pode extorquir dinheiro do próximo a pretexto de que lhe da recursos que não dependem dele. Essa medida estabelecida por Kardec, na prática espírita, tornou-se o princípio básico da ética doutrinária, fundamentada nos Evangelhos. 

Em conseqüência dela, muitos exageros são cometidos. Certas pessoas acham que um profissional espírita de qualquer ramo está obrigado a fazer tudo de graça no campo doutrinário e até mesmo para os adeptos da doutrina. Um médico, um pedreiro, um advogado, um dentista e assim por diante, devem trabalhar gratuitamente nas instituições espíritas. É uma extensão absurda de princípio referente exclusivamente aos dons espirituais. O médium, o conferencista, o doutrinador, todos os que dão assistência espiritual individualmente, em sentido religioso nada podem cobrar. Fora do campo espiritual e religioso não existe nem pode existir o princípio da gratuidade. A finalidade desse princípio é evitar a institucionalização religiosa do Espiritismo em forma de igreja, evitar o comércio religioso, a simonia das igrejas. Porque um pregador pago ou um médium pago expõe-se a tentação de transformar a doutrina em meio de vida. 

Dessa tentação pode nascer a profissionalização religiosa, que acabaria subordinando a própria doutrina aos interesses financeiros. Os interesses particulares excitam a ambição e anulam a espontaneidade e a sinceridade, abrindo brechas por toda parte para o aviltamento doutrinário. Onde entra o lucro, o interesse pessoal, desaparece a abnegação e com ela a mais alta virtude espírita que é a doação de si mesmo em favor da causa humanitária. Um médium pago, mesmo discretamente, mais hoje, mais amanhã vai entregar-se à fraude, pois se não produzir fenômenos - o que não depende dele - perderá a clientela. Não se trata de um princípio religioso, mas de uma medida ética em defesa da pureza da prática espírita. 

Essa medida se justifica não só pelas razões éticas, mas também pela observação do que se passa na prática doutrinária. Uma instituição espírita fundada com dificuldades, onde se destaca o desinteresse e a abnegação de todos, basta crescer um pouco: começar a enriquecer-se para que tudo nela se modifique. O homem sofre a hipnose da moeda, o dinheiro o alucina e o transforma em desonesto. São poucos os que resistem a esse poder do dinheiro, que na verdade não está no dinheiro mas na alma gananciosa e vaidosa. Há casos espantosos de instituições que enriqueceram e esqueceram suas próprias finalidades, transformando-se em verdadeiras casas comerciais, onde o interesse financeiro se sobrepõe aos interesses sagrados da doutrina. 

Os médiuns de evidência são tentados a passar de uma instituição para outra com a promessa de vencimentos disfarçados em benefícios à família ou em pagamento de funções técnicas que não conhecem. Felizmente a a maioria dos médiuns têm resistido a essas tentações e triunfado dignamente. Mas os diretores dessas instituições fascinadoras e invigilantes caíram no erro, incidiram no atentado ao formularem suas propostas aviltantes. Se isso acontece em plena vigência do princípio de gratuidade, abandonado o princípio teríamos a venda e a compra de "passes" de médiuns como se fossem jogadores de futebol. Os que compreendem a doutrina e a amam, e zelam por ela, não podem endossar e nem mesmo tolerar essas irresponsabilidades perigosas. 

Os médiuns curadores são os mais expostos a tentação do dinheiro, assediados por laboratórios e até mesmo por hospitais que lhes oferecem empregos generosos em seu quadro de funcionários, para explorar o seu nome e a sua mediunidade, com o sofisma de que ali poderão trabalhar sem perigo e prestar maiores serviços em casos incuráveis. Muitos deles caíram nesses alçapões do mundo, mas a maioria não cedeu. A Moral mediúnica falou mais alto em suas consciências. Os médiuns de efeitos-físicos e particularmente os de materialização geralmente são tentados pela sua própria ganância ou pela ignorância de pessoas que pretendem exibi-los para converter os incrédulos. Como se o Espiritismo fosse uma questão de crença e de proselitismo, e não um processo de transformação do homem e do mundo. Em tudo isso pontificam a ignorância, a ganância e a vaidade, estigmas da inferioridade espiritual, que merecem piedade dos espíritas sinceros, mas não a tolerância que leva à cumplicidade. 

Não se pode, porém, manter um hospital, uma creche, um orfanato, uma escola, uma Faculdade ou uma Universidade - absolutamente necessários no meio espírita, para a própria realização das finalidades doutrinárias, - sem a contratação de profissionais de várias categorias, espíritas ou não, que darão a sua força de trabalho devidamente remunerada. Mesmo nesses casos temos encontrado gestos de abnegação de espíritas que se dedicam a execução de serviços gratuitos, muitas vezes recebendo o salário e devolvendo-o no todo ou em parte aos cofres da instituição como doação. Não estão obrigados a isso, mas o fazem na intenção de melhor colaborar com as instituições, convictos da sua importância e necessidade. Mas esses são casos de consciência, de pura abnegação dos que podem fazê-lo. Mas no campo mediúnico nada disto é permitido. Os médiuns podem ser socorridos em suas necessidades por amigos e companheiros generosos, quando realmente necessário, mas não podem vender os dons mediúnicos nem mesmo a pretexto de fazê-lo em benefício desta ou daquela instituição. 

Nas reuniões de passes proíbe-se o toque dos médiuns nos pacientes, a não ser para ajudá-los em casos extremos, para evitar mal entendidos e suspeitas maliciosas que atentam contra o médium, a instituição e a doutrina. Não é necessário de maneira, alguma o toque do médium, nem mesmo a pretexto de transfusão fluídica, como se faz em algumas modalidades do sincretismo religioso afro-brasileiro. As mãos dos médiuns funcionam nos passes como antenas captadoras e emissoras de vibrações dos espíritos, o que pode ser feito até a grandes distâncias. A Moral mediúnica não é nem pode ser preconceituosa, mas não dispensa medidas de segurança e defesa em meio à malícia do mundo.

Os passes individuais são geralmente dispensáveis, mas a maioria das pessoas tem necessidade psicológica da imposição das mão para se sentirem beneficiadas, mas sempre de maneira discreta, guardando a distância conveniente. Muitos aborrecimentos o médium pode evitar com essa precaução. É claro que não devemos ceder aos preconceitos estúpidos, fundados numa falsa moral, mas o preço de uma despreocupação é as vezes tão alto, não atingindo apenas o médium que não nos convém pagá-lo. Nas relações com o púbico na maioria desconhecedor da doutrina, devemos tomar todas as precauções, até mesmo para não afastarmos do benefício pessoas sistemáticas que não compreendem a grandeza de uma doação fluídica. Restringir-nos à nossa maneira de ser, confiantes em nossa sinceridade, sem levar em conta as condições do próximo, é também uma forma de egoísmo. 

Certas instituições tomam medidas extremadas como a divisão de homens e mulheres em grupos separados em seus trabalhos mediúnicos ou em palestras e cursos. Trata-se de resquícios da moral hipócrita de tempos excessivamente místicos, em que os moralistas cristão faziam como os fariseus acusados por Jesus: coavam um mosquito e engoliam um camelo. Toda forma de extremismo é sempre negativa, denotando insegurança e desconfiança de tudo e de todos. Medidas extremas como essa revelam falta de maturidade dos que as impõe e falta de respeito pelos frequentadores. Além disso, levam ao ridículo. Devemos lembrar-nos dessa expressão feliz de Kardec: 

O Espiritismo é uma questão de bom senso. As pessoas que frequentam uma reunião espírita devem ser consideradas como respeitáveis e responsáveis. No caso do passe a medida é de ordem puramente interna e não pública, transmitida particularmente aos médiuns, de maneira que não ofende a dignidade alheia. Quanto a dignidade dos médiuns, também não é afetada no caso do passe desde que não recebam uma ordem específica e pessoal, mas a devida explicação do problema. Existe a desconfiança semeada pelos adversários da doutrina e é justo que se tomem medidas de resguardo, no entendimento fraterno entre dirigentes e médiuns. Há pequenas minúcias no trato com o público que não podem ser esquecidas na prática mediúnica. 

Autor: J. Herculano Pires


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