Retrato de Mãe (Maria Dolores)


Depois de muito tempo,

sobre os quadros sombrios do calvário.

Judas, cego no além, errava solitário…

Era triste a paisagem, o céu era nevoento.


Cansado de remorso e sofrimento,

Sentara-se a chorar…

Nisso, nobre mulher de planos superiores,

Nimbada de celestes esplendores,

Que ele não conseguia divisar,

Chega e afaga a cabeça do infeliz.


Em seguida, num tom de carinho profundo,

Quase que em oração ela diz:

– Meu filho, porque choras?

Acaso não sabeis? – replica o interpelado,

Claramente agressivo.

Sou um morto e estou vivo.

Matei-me e novamente estou de pé,

Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé…


Não ouvistes falar em Judas, o traidor?

Sou eu que aniquilei a vida do Senhor…

A princípio, julguei poder fazê-lo rei,

Mas apenas lhe impus, sacrifício, martírio, sangue e cruz.


E em flagelo e aflição

Eis que a minha vida agora se reduz…

Afastai-vos de mim,

Deixai-me padecer neste inferno sem fim…

Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,

Nada sabeis da mágoa que me agita…

O assunto que lastimo é unicamente meu…


No entanto a dama calma respondeu:

– Meu filho, sei que choras, sei que lutas,

Sei a dor que causa o remorso que escutas…

Venho apenas falar-te

Que Deus é sempre amor em toda parte…

E acrescentou serena:

– A bondade de Deus jamais condena:

Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.


Sofre com paciência a dor e a prova.

Terás em breve, uma existência nova…

Não te sintas sozinho ou desprezado!

Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:

– Mãe? Não venhais aqui com mentira e sarcasmo.


Depois de me enforcar num galho de figueira,

Para acordar na dor,

Sem mais poder fugir à vida verdadeira.

Fui procurar consolo e força de viver.

Ao pé da pobre mãe que forjara o ser!

Ela me viu chorando e escutou meus lamentos.

Mas teve medo dos meus sofrimentos.


Expulsou-me a esconjuros,

Chamou-me monstro, por sinal

Disse que eu era

Unicamente o espírito do mal,

Intimidou-me a terrível retrocesso,

Mandando que apressasse o meu regresso

Para a zona infernal de onde eu vinha…

Ah ! Detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…

Não me faleis de mães, não me faleis de amor,

Sou apenas um monstro sofredor…


Inda assim – disse a dama docemente:

– Por mais recuses, não me altero,

Amo-te filho meu, amo-te e quero

Ver-te de novo a vida

Maravilhosamente revestida

De paz e luz, de fé e elevação…


Virás comigo à terra,

Perderás pouco a pouco, o ânimo violento,

Terás o coração

Nas águas de bendito esquecimento.

Numa existência de esperança,

Levar-te-ei comigo

A remansoso abrigo.

Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!

E Judas neste instante.


Como quem olvidasse a própria dor gigante,

Ou como quem se desgarra

De pesadelo atroz,

Perguntou: – quem sois vós?

Que me falais assim, sabendo-me traidor?

Sois divina mulher, irradiando amor,

Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?

No entanto ela a fitá-lo frente a frente,

Respondeu simplesmente:

– Meu filho, eu sou a mãe de Jesus!!!


Maria Dolores;
Psicografia: Francisco Cândido Xavier;
Do livro: Momentos de Ouro.



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