Foi em meio a um clima de mudanças e de reconstrução de um novo mundo, onde vingavam, por toda parte, os perfumes primaveris do romantismo, que nasceu, às dezenove horas do dia 03 de outubro de 1804, na cidade de Lyon, Hippolyte Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Allan Kardec. Ele era filho de um magistrado, Jean Baptiste-Antoine Rivail, e de Jeanne Louise Duhamel.
Filho de pais católicos, foi criado no Protestantismo, mas não abraçou nenhuma das duas religiões – preferiu situar-se na posição de livre pensador e homem de análise.
O pai o iniciou com todo cuidado nas primeiras letras e o incentivou à leitura dos clássicos, já em tenra idade. Denizard Rivail sempre se mostrou muito interessado em ciências e em línguas.
Fez os primeiros estudos em Lyon e completou sua bagagem escolar em Yverdon, Suíça, com o célebre professor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes discípulos, colaborador inteligente e dedicado.
Desde cedo se sentiu atraído para as ciências e para a filosofia. Bacharel em letras e em ciências e doutor em medicina, Rivail era também linguista insigne: fluente em alemão, inglês, italiano e espanhol, conhecia igualmente o holandês, língua na qual podia exprimir-se facilmente.
Em 9 de fevereiro de 1832, numa quinta-feira, Rivail casou-se com Amélie Gabrielle Boudet. Na certidão de casamento consta que o noivo era diretor de instituição de ensino. Rivail tinha vinte e sete anos e Amélie, trinta e sete. A diferença de idade entre ambos era de quase 10 anos, diferença etária que passava despercebida em função da aparência jovial e agradável da Sra. Rivail.
O casal vivia de forma simples em um modesto apartamento na Rue des Martyres, nº 8, nos fundos do segundo andar de um prédio de quatro pavimentos, contendo quarto, sala, cozinha, escritório e sala de jantar. Quadros a óleo e crayon pintados por Amélie, diplomas e certificados obtidos por Rivail, além de objetos de madeira e de bronze e uma vasta biblioteca compunham a decoração do ambiente doméstico. A iluminação era a gás.
Fundou em Paris, com sua esposa Amélie Gabrielle Boudet, um estabelecimento semelhante ao de Yverdon. Escreveu gramáticas, aritméticas, estudos pedagógicos superiores; traduziu obras inglesas e alemãs. Organizou, em sua casa, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada.
Aos cinquenta e um anos, Kardec dedicou-se à observação e ao estudo dos fenômenos espíritas. Homem de ponderação, caráter íntegro e saber profundo, Rivail não escreveu sob a influência de ideias preconcebidas ou de espírito de sistema. Ao contrário, aplicou à nova ciência o método da experimentação. Não admitia como válida uma explicação senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão; então formulava a lei que regia o fenômeno.
Dois anos depois, em 18 de abril de 1857, sob o pseudônimo de Allan Kardec, publicou O Livro dos Espíritos, dando início ao processo de codificação da Doutrina Espírita. Ele soube fazer que todos o lessem sem fadiga, condição essencial à vulgarização de uma ideia.
Em poucos anos, essas ideias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os países. Esse êxito sem precedentes decorreu, sem dúvida, da simpatia que tais ideias despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram expostas e que é uma das características dos escritos de Allan Kardec.
Em vez do postulado: Fora da Igreja não há salvação, que alimenta a separação e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas e que há feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da Caridade não há salvação, isto é, a igualdade entre os homens perante Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua.
Em vez da fé cega, que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade.
À fé, uma base se faz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio. (O Evangelho segundo o Espiritismo.)
Trabalhador infatigável, sempre o primeiro a tomar da obra e o último a deixá-la, Allan Kardec desencarnou, a 31 de março de 1869, quando se preparava para uma mudança de local, imposta pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Morreu conforme viveu: trabalhando.
Allan Kardec é imortal e a sua memória, seus trabalhos, seu Espírito estarão sempre com os que empunharem forte e vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado. Uma individualidade pujante constituiu a obra. Era o guia e o fanal de todos. Na Terra, a obra substituirá o obreiro. Os crentes não se congregarão em torno de Allan Kardec; congregar-se-ão em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus conselhos, sua influência, avançaremos, a passos firmes, para as fases ditosas prometidas à Humanidade regenerada. (Revista Espírita, maio de 1869.)
Fora Allan Kardec um homem de ciência e de certo não houvera podido prestar este primeiro serviço e dilatá-lo até muito longe, como um convite a todos os corações. Ele, porém, era o que eu denominarei simplesmente “o bom-senso encarnado’.
(Discurso pronunciado junto ao túmulo de Allan Kardec por Camille Flammarion).
Veja também: Biografia de Camille Flammarion (1842 - 1925) |
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