Nos anos de 1860, 1861, 1862, 1864 e 1867, Allan Kardec, aproveitando as férias da Sociedade Espírita de Paris, deslocou-se da capital francesa para visitar, no interesse do Espiritismo, algumas cidades do interior da França e da Bélgica.
Conforme ele nos conta em um opúsculo de sua lavra, tais viagens tinham o objetivo de dar instruções onde elas se fizessem necessárias e instruí-lo acerca do progresso da Doutrina Espírita nas regiões visitadas.
O codificador queria ver as coisas com seus próprios olhos, a fim de julgar do estado real da Doutrina e a maneira pela qual era compreendida e praticada; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu desenvolvimento, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica.
Desejava, acima de tudo, apertar as mãos dos confrades e exprimir-lhes pessoalmente sua mui sincera e viva simpatia, em retribuição às tocantes provas de amizade que lhe davam em suas cartas. Enfim, testemunhar gratidão e admiração a pioneiros que não mediam esforços nem sacrifícios para que a revelação nova se difundisse por toda parte.
O codificador queria ver as coisas com seus próprios olhos, a fim de julgar do estado real da Doutrina e a maneira pela qual era compreendida e praticada; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu desenvolvimento, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica.
Desejava, acima de tudo, apertar as mãos dos confrades e exprimir-lhes pessoalmente sua mui sincera e viva simpatia, em retribuição às tocantes provas de amizade que lhe davam em suas cartas. Enfim, testemunhar gratidão e admiração a pioneiros que não mediam esforços nem sacrifícios para que a revelação nova se difundisse por toda parte.
Allan Kardec aproveitava o clima ameno dos meses de agosto e setembro para empreender essas viagens. Até onde sabemos, com exceção da realizada em 1867, quando temos notícias do casal em Tours,2 Amélie Boudet permanecia em Paris enquanto o marido se deslocava pelo interior do país. Correspondiam-se por cartas, uma das quais temos a satisfação de traduzir, graças ao empenho do confrade Charles Kempf, que a copiou do francês e no-la enviou.
Eis, na íntegra, o seu conteúdo, pela primeira vez em língua portuguesa:
Marennes, 8 de outubro de 1862.
Minha boa Amélie,
Embora nada tenha de particular a te contar,
aproveito uma pequena pausa para te dar notícias,
que, aliás, são sempre boas,
visto que continuo perfeitamente bem.
Cheguei ontem às 18 horas. O Sr. Blanchard veio buscar-me de carro à descida do vapor. Mal tive tempo de jantar antes de comparecer à reunião, que começou às 20h30 e se prolongou até às 23h30. Se eu não a houvesse dado por encerrada, ninguém teria saído dali.
Havia cerca de 60 pessoas, incluindo cinco habitantes de Méchey [Meschers-sur-Gironde?] dentre os quais o tabelião Drouhet, um de nossos assinantes. Viajaram oito horas para chegar a Marennes, e, como tivessem compromisso no dia seguinte, retornaram a uma hora da madrugada. É a isso que se pode chamar zelo, fé, como a confirmar o que diziam da facilidade com que o Espiritismo se espalha na região da Charente [Poitou-Charentes, sudoeste da França].
Fui acolhido com muita simpatia. Hoje vou almoçar na casa da senhora em que ocorreu a reunião. Excelente médium, sofre, da mesma forma que Anaïs, de uma dor no pé atribuída a uma antiga entorse, mal para o qual declaram os médicos não saber o que fazer, pois os meios utilizados para tratá-la só fizeram agravar a moléstia. De algum tempo para cá, ela segue as prescrições de seu guia espiritual e está melhor. Não sofreu tanto como Anaïs, porém, mal consegue dar alguns passos em seu quarto. Pobre Anaïs, como a lamento e como sinto por sua família! Recomende-me a eles. Parto depois do meio-dia para Rochefort. Amanhã, dia 9, estarei em Saint Jean d’Angély, onde sou aguardado com impaciência, conforme me escreveu de Bordeaux o presidente da sociedade espírita. Por certo, aí não serei menos bem recebido do que alhures. Se minha viagem é cansativa, posso dizer, do ponto de vista da satisfação, que nada tem deixado a desejar. É uma série contínua das mais tocantes demonstrações de simpatia. E nem falo dos discursos; dariam um volume.
Adeus, boa Amélie, deixo a pena porque vêm buscar-me para o almoço. Escreverei de Angoulême para te avisar a hora da minha chegada.
Esqueci-me de falar que as pessoas da casa na qual vou almoçar disseram-me que se sentiriam encantadas em te conhecer e muito felizes se me acompanhasses na próxima viagem. Saúdam-te em meu nome, assim como à esposa de…
[Assinado] Allan Kardec
[P. S.] Rogo transmitas aos membros da Sociedade [Parisiense de Estudos Espíritas] quanto lamento não ter podido retornar a Paris para participar das primeiras sessões; o interesse do Espiritismo me reterá alguns dias ainda longe de meus colegas. Que aceitem minhas desculpas…
Estas cartas de Allan Kardec a Amélie Boudet são mais comuns do que se pensa. Reformador já publicou uma delas, datada de setembro de 1863 até então inédita no Brasil. Nessa ocasião, ele se encontrava recolhido em seu retiro de Sainte-Adresse, nas praias da Normandia, envolvido com a preparação, em segredo, da edição princeps da Imitação do evangelho segundo o espiritismo, que viria a lume no ano seguinte.
REFERÊNCIAS:
1 KARDEC, Allan. Viagem espírita em 1862 e outras viagens de Kardec. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2007. pt. Viagem Espírita em 1862, cap. Impressões Gerais, p. 46 e 47.
2 SAUSSE, Henri. Biografia de Allan Kardec. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2012. Prefácio de Léon Denis à edição de 1927, p. 13.
3 KEMPF, Charles. Como Allan Kardec preparou O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Reformador, ano 132, n. 2.224, p. 17(399)-20(402), jul. 2014.
Evandro Noleto Bezerra
enoletob@gmail.com
Fonte:http://www.souleitorespirita.com.br/reformador/noticias/carta-de-allan-kardec-a-amelie-boudet/
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