Bondade foi o que mudou o rumo da minha vida', diz ex-supremacista branco
Como integrante da banda de "hate-metal" Centurion na década de 1980, o
skinhead americano Arno Michaelis subia aos palcos para cantar canções
racistas. Fora dos palcos, durante sua juventude em Milwaukee,
Wisconsin, nos Estados Unidos, Arno feriu gravemente várias pessoas
inocentes.
No entanto, sua vida começou a mudar e, em 2012, um
massacre em um templo da religião sikh em Wisconsin fez com que ele
abandonasse seu passado de ódio.
Hoje, aos 44 anos, Arno
Michaelis lidera a ONG Serve 2 Unite, que trabalha para melhorar as
relações entre as raças - atuando, inclusive, no Brasil.
Em
depoimento ao programa Outlook, da BBC, ele compartilhou sua história -
que teve início em uma família onde havia problemas de alcoolismo.
'Violência Psicológica'
"Meus pais brigav
am muito porque havia problemas de alcoolismo na família", disse Arno.
"Mas os dois me amavam muito e fizeram (por mim) tudo o que puderam.
Acho que a violência emocional, combinada com um certo vício nato em
adrenalina, me levaram a agredir as pessoas."
Arno contou que sempre que podia, escapava de casa e saía em busca de emoções perigosas.
"Quando me comportava de forma antissocial e agredia as pessoas, sentia um certo frisson."
E foi também em busca desse "frisson" que Arno aderiu ao movimento dos supremacistas brancos.
"Uma das coisas que me davam esse frisson era provocar raiva nas
pessoas. E se você procura um jeito de fazer as pessoas ficarem com
raiva, experimente uma suástica."
"Fiz minha primeira tatuagem
de suástica aos 17 anos. Eu entendia a ideologia por trás daquilo, mas o
frisson daquela coisa proibida era o que mais me motivava."
Aos poucos, explicou Arno, seu ódio se estendeu de minorias étnicas -negros, latinos, asiáticos - aos próprios brancos.
'Traidores da Raça'
"À medida que você se aprofunda na narrativa dos supremacistas brancos,
começam a surgir as teorias conspiratórias. No final, eu acreditava que
os judeus tinham colocado em ação um plano contra os brancos. Coloquei
os judeus no topo da minha lista dos 'não favoritos'. E mais acima nessa
lista estavam os brancos que não eram violentamente racistas", disse.
"Eram vistos como traidores da raça e estavam definitivamente no topo da lista das pessoas que eu odiava."
Às vezes, pessoas que ele supostamente deveria odiar o tratavam com
bondade. Nessas horas, disse Arno, era particularmente difícil continuar
sentindo raiva delas.
"Era exaustivo ter pessoas que eu
tentava odiar me tratando com bondade. Aquilo fazia buracos nas
justificativas que eu criava para poder odiá-las."
Esse foi o
caso, por exemplo, de um judeu dono de uma estamparia de camisetas que
deu emprego a Arno. "Apesar de eu estar portando uma suástica dentro da
fábrica dele, e apesar de eu tentar recrutar todos os brancos que
trabalhavam comigo, (o chefe) se recusava a me demitir e insistia que eu
era um menino bom e só precisava de uma chance."
"Saber disso,
quando eu tentava promover essa narrativa antissemita era exaustivo. A
bondade que ele demonstrava, a bondade de negros e latinos, isso me
assombrava e me lembrava de que o que eu estava fazendo era errado."
Arno contou que machucou gravemente muita gente.
"Atacávamos mais brancos, no final. Apesar da nossa conversa de durões,
éramos covardes e não queríamos ir aos guetos, onde corríamos o risco
de puxar uma briga de verdade. Então, acabávamos indo às partes mais
afluentes da cidade. Mas se encontrávamos um negro ou um latino em uma
área mais escondida, onde podíamos atacá-los, fazíamos isso."
"Feri muita gente com minhas próprias mãos e vou ter de viver com isso
para o resto da minha vida. Ainda penso no que fiz - ou no que lembro de
ter feito. Eu bebia muito na época. Não quero usar isso como desculpa,
mas muitas das minhas lembranças são vagas por causa disso."
Cansaço
A virada na vida de Arno Michaelis aconteceu, literalmente, porque ele se cansou de odiar.
"(Foi) exaustão. Era exaustivo me fechar para o resto do mundo, algo
que é necessário para se manter uma visão de mundo baseada em uma teoria
conspiratória fundamentalista. Você tem de bloquear todas as
informações que não sustentam a narrativa da supremacia branca."
Arno contou que dentro de um ano passou de skin head a raver. Agora,
passava as noites dançando house music em festas underground, cercado de
gays, lésbicas, pessoas transgênero, bissexuais - pessoas de todas as
etnias possíveis, ele disse.
"Todos me aceitaram de forma
incondicional e sem fazer perguntas. Mas eu continuava com um
comportamento muito autodestrutivo. Além do álcool, usava muitas
drogas."
Um empreendimento que não deu certo e o fim de um relacionamento levaram Arno ao fundo do poço.
"Meu passado voltou para me assombrar. Sentia que merecia todas aquelas
coisas ruins. Passei um ano me sentindo suicida. Minha filha me ajudou a
sair daquilo. Se não fosse por ela, acho que teria me matado."
Pacifista
Em 2012, um homem cometeu um massacre em um templo sikh em Wisconsin.
Seis pessoas foram mortas. Mais tarde, descobriu-se que ele era membro
do grupo supremacista branco que Arno havia integrado. O caso teve um
efeito profundo sobre a vida de Arno.
"Foi devastador. Passei a
noite acordado, me perguntando se seria alguém que eu tinha recrutado.
No dia seguinte, descobri que eu não conhecia o atirador, mas ele tinha a
minha idade, era membro da gangue de skinheads que eu tinha ajudado a
fundar e também era cantor de uma banda de White Power, como eu tinha
sido", disse Arno.
"Então, de várias formas, esse era o homem
que eu tinha sido. Ele tinha se colocado em uma situação de tanta
infelicidade que só o homicídio seguido de suicídio pareciam fazer
sentido para ele."
Naquele mesmo ano, Pardeep Kaleka, que
perdeu o pai, Satwant Kaleka, no massacre, entrou em contato com Arno.
"Conversamos por quatro horas sem parar e, desde então, somos irmãos",
disse.
Hoje, o pacifista Arno Michaelis trabalha com várias
ONGs, entre elas a Serve 2 Unite, fazendo palestras e mediando uma
revista online.
Quando perguntado se existe alguma coisa que poderia ter evitado que ele seguisse pelo caminho que seguiu, ele respondeu:
"Bondade foi o que mudou o rumo da minha vida."
"Ninguém teria sido capaz de se livrar do nazista que existia em mim na
base da pancada. Eu apanhava com a mesma frequência com que batia nas
pessoas. Foram as pessoas que me trataram com bondade, e que tiveram a
coragem verdadeira de não devolver minha agressão, que ajudaram a mudar o
rumo da minha vida."
Brasil
Fã declarado de música
brasileira, Arno tem amigos no Brasil. Entre eles, o professor Carlos
Eduardo Ramalho, que dá aulas em uma escola municipal em Guaraci,
interior de São Paulo.
Neste ano, Arno e Carlos vão promover no
Skype um encontro online entre os alunos de Carlos e crianças da mesma
idade em Milwaukee.
"Vamos falar sobre formas de colaborarmos
pela paz. Não sabemos muito bem o que vai acontecer - o que torna o
plano ainda mais divertido!", disse Arno Michaelis à BBC Brasil.
Fonte:http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2015/10/11/bondade-foi-o-que-mudou-o-rumo-da-minha-vida-diz-ex-supremacista-branco.htm
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