Para evitar a "deserção" (Richard Simonetti)

Idoso confrade, espírita da velha guarda, homem simples, sincero e extraordinariamente comunicativo, percorria as dependências de um presídio onde deveria proferir palestra.

Ao passar pela biblioteca, notou um preso absorto na leitura, em recanto discreto. Impressionou-o a expressão abatida e triste do reeducando. 

Obedecendo a um impulso, aproximou-se e, num gesto muito seu, abraçou-o efusivamente, dizendo-lhe:

– Olá, irmão! Lendo um pouco? Os bons livros oferecem luz para o Espírito e conforto para o coração!…

E por aí foi, numa torrente de observações carinhosas que fluíam naturalmente de seus lábios, extravasando fraternidade pura.

O preso recebeu taciturno tão efusiva manifestação de alguém que jamais vira, mas rendeu-se à sua simpatia e acabou por acompanhá-lo ao recinto de reuniões.

O tema da noite foi o suicídio. Inspirado, o visitante apresentou-o por porta falsa pela qual aquele que pretende libertar-se do sofrimento se precipita em dores mil vezes acentuadas. Servindo-se de numerosos exemplos demonstrou que desertar da existência é adiar compromissos intransferíveis e que, após dolorosas experiências no plano espiritual, o suicida enfrentará, em regime de complexidade capitalizada, as mesmas situações de que fugira.

Ao término da reunião, o preso, que tudo ouvira com grande interesse, aproximou-se do conferencista e confessou:

– O senhor salvou-me a vida esta noite… Quando entrou na biblioteca, eu apenas fingia ler… Meus olhos estavam pousados no livro, mas meu pensamento era um vulcão. Mágoas e inquietações que há meses me torturavam o cérebro haviam atingido um ponto de saturação. A idria do suicídio pareceu-me a solução ideal. Suas palavras, entretanto, abriram meus olhos para a loucura que eu ia cometer. Sua visita foi providencial. Jamais esquecerei seu abraço fraterno na biblioteca e tenho certeza de que foi Deus quem o inspirou. Muito obrigado! Prometo-lhe que nunca mais pensarei em cometer tamanha loucura.

Nota-se claramente neste episódio a ação do Plano Espiritual montando um dispositivo de socorro a alguém preste a mergulhar no precipício do suicídio.

O auto-aniquilamento, desastre de consequências imprevisíveis para o que não respeitam o compromisso da existência, provoca intensa mobilização de benfeitores invisíveis que, com todos os meios ao seu alcance, lutam para evitar a consumação do lamentável gesto de rebeldia.

Impossibilitados de uma ação direta, em face do turbilhonamento mental do socorrido, articulam a visita do conferencista, promovem o encontro na biblioteca e inspiram o visitante à escolha do tema.

Raros, entretanto, os que se dispõem a estender antenas espirituais para captar os apelos do Alto. É fácil imaginar o drama dos Espíritos, procurando neste mundo de interesses imediatistas, sob domínio das sensações, alguém capaz de cultivar a reflexão e de ceder ao impulso da Fraternidade.

Um sorriso amigo, uma palavra gentil, um gesto de camaradagem, operam prodígios num coração atribulado.

Cada suicida que deixa a Terra, frustrando os esforços da Espiritualidade, é alguém que complica o futuro por fugir do presente, mas é também um atestado eloquente da indiferença que caracteriza o homem comum, de sensibilidade atrofiada para os apelos da Vida Maior, incapaz de perceber a angústia de seu irmão…

Richard Simonetti


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