Biografia: José Hermógenes de Andrade Filho (1921 - 2015)

José Hermógenes de Andrade Filho, precursor da Yoga no Brasil, nasceu em 9 de março de 1921, em Natal, no bairro do Tirol, Rio Grande do Norte, em uma família pobre. 

Por volta dos 10 anos, teve uma experiência que ele considerou como o primeiro contato com os princípios do yoga, e que futuramente regeria toda a sua vida. Ao se banhar na beira do mar, foi puxado pela correnteza e quase afogou-se, não sabia nadar. De repente, viu um rapaz nadando em sua direção. 

O salvador lhe disse: "Não tente me ajudar nem me segurar. Simplesmente amoleça". Ele obedeceu. Entregou-se à circunstância e se deixou salvar. Naquele instante, Hermógenes aprendeu a lição da entrega: "fui aprendendo de mansinho a viver de forma suave e a aceitar de forma positiva as dificuldades que a vida me impõe, para poder transformá-las em aprendizado".

Aos 20 anos, como não havia escolas superiores em Natal e não tinha recursos para estudar em outra cidade, Hermógenes decidiu fazer um curso na Escola Militar do Rio de Janeiro, onde tinha hospedagem, estudo e alimentação. Casou-se Ione Maria. 

Em 1945, já com duas filhas, Ana Lúcia e Ana Cristina, estava se preparando para ir à Itália, lutar na Segunda Guerra. Fazia parte da FEB (Força Expedicionária Brasileira). 

Ele diz que sua mãe rezou tanto que a guerra acabou. Como tinha feito um curso de técnicas pedagógicas, começou a pensar em lecionar na Escola de Instrução Especial do Exército.

Entrou, então, na Escola Militar como Tenente da Cia. do 2º ano ginasial, professor de história e filósofo. Na mesma época, passou a vender seguros, como forma de ajudar na renda familiar. 

Era um buscador incessante da verdades mais profundas do Ser e algumas explicações em sua religião não o satisfaziam. Não conseguia abrandar a sua sede de compreender. 

Na década de 1950, já capitão do Exército quase resignou-se a se contentar apenas com o aspecto litúrgico da religiosidade, procurando aceitar, sem no entanto compreender.

Então ele conheceu a Bhagavad Gita e começou a perceber a Verdade: seu pedido estava sendo concedido. Na época, 1.955, publicou seu primeiro livro, "A Pergunta que Ensina", um método didático para ensinar História do Brasil. 

Todo o estresse que tinha tido com a preparação para a guerra, com a falta de dinheiro, com suas perguntas e angústias interiores... com tudo isso, começou a ter febrículas todo fim de tarde. 

Era 1958 e ele tinha 35 anos. Sua voz também começou a desaparecer. Procurou um médico renomado, pagou caríssimo, e recebeu um diagnóstico errado. 

Meses depois, seu dentista lhe mandou fazer um exame e uma radiografia para ver a possibilidade de tuberculose. Ainda era capitão do Exército quando, no fim dos anos 50, foi surpreendido por uma tuberculose, uma doença maldita naquela época... 

Seu médico lhe disse que seu pulmão estava todo comprometido! Teria de tomar medicamentos e iniciar o tratamento com injeções de ar no tórax, entre a massa pulmonar e a pleura: o pneumotórax. 

A Bhagavad Gita o deu tranquilidade em relação às provações. Já estava praticando o Yoga espiritual e não sabia. Depois de uns dois anos, perguntou para seu médico quando poderia parar o pneumotórax. Ele não só lhe disse que estava longe da cura, mas que teria de fazer uma cirurgia! 

Fomos à cirurgia, num hospital em Jacarepaguá. O médico lhe comunicou que o procedimento, com entradas de catéteres no pulmão para cauterizar as feridas, teria de ser feito sem anestesia (na época feita com gases inflamáveis). Ele lhe disse que teria de suportar a dor sem gritar, sem se mover nem se defender. Teria de ficar imóvel.

Professor Hermógenes relata como foi:

"Fiquei segurando uma barra de ferro, enquanto ele furava minha caixa torácica dos dois lados. Uma dor terrível. O médico tinha me dito que iria demorar uns minutos, mas o tempo passava e não acabava. Senti um desejo enorme de morrer. Então, me lembrei do Bhagavad Gita, que diz que nosso destino depois de deixar o corpo é determinado pelo nosso último pensamento. Aquelas pessoas que morrem dizendo o nome de Deus vão para Deus. Comecei a falar o nome de Jesus. Nessa hora exata, o médico disse: 'Está terminado'. É nas horas de profundo sofrimento que você alcança a metanoia. Metanoia é uma palavra grega que significa 'mudar a direção da mente'”.

"Senti que uma provação daquele tamanho só poderia ser uma característica do esforço da volta. Voltei para casa, um calor tremendo na Tijuca. Resolvi me deitar em uma esteira velha no quintal. Só que não percebi que a esteira estava cheia de ácaros. Imagina? Comecei a espirrar. Não sabia se estava espirrando pelo nariz ou pela ferida no tórax. Caí de cama de novo. Quando levantei, dias depois, e passei diante do espelho, vi que estava adernado feito a Torre de Pisa. O médico me disse que era pleurisia, água no pulmão. Quando fiquei bom da pleurisia, tive de voltar ao tratamento com pneumotórax". 

Teria que recomeçar novamente com as injeções de ar, mas quando compareceu para a primeira sessão e o médico enfiou a agulha, olhou estranhamente e disse que faria outra tentativa. No final o médico disse que tinha feito tantas investidas porque ele não poderia estar curado, pois ainda era cedo para isso. Mas ele estava curado! A explicação médica é que o líquido da pleurisia havia sarado a ferida no pulmão. 

Sobre essa época Hermógenes conta:

"Meus pulmões pareciam casas de abelhas. Me atacou a laringe a ponto de me deixar afônico. Como o tratamento era à base de muita alimentação e muito repouso, quando terminou eu estava envelhecido e obeso, apesar de ainda estar na faixa dos 35 anos. O pior era o bloqueio psicológico e social que o médico me impôs. 'Você não pode ficar no sol, pegar sereno, ir à praia, fazer ginástica' e por aí afora. Até propôs que eu me aposentasse porque minha vida estava comprometida"...

"Quando saí da infecção, estava doente, em decorrência do tratamento: gordo, balofo, envelhecido, sem flexibilidade e, o pior, cheio de limitações. Não podia tomar chuva, nem tomar Sol, cuidado com isso, cuidado com aquilo.. cheguei à conclusão de que não era mais viver, era um semiviver, sem graça..."

Hermógenes já era Major e se reformou como Tenente-coronel. Foi aí que ganhou um livro de Hatha Yoga (Yoga and Sports, de Elizabeth Haich e Selvarajan Yesudian), que ensinava uma série de posturas para melhorar a saúde física e espiritual. 

Com um autor indiano (Selvajaran Yesudian) e escrito em francês, o livro foi um manual "sem mestre", pois era extremamente claro. Assim, ele começou a praticar Hatha Yoga, como experiência, em silêncio e escondido, no chão frio do banheiro, pois assim ninguém o desaprovaria

Pensou: “Ou fico bom ou morro logo. A transformação em poucos meses foi tão espetacular que surgiu um novo ser daquela ruína. Senti o compromisso de dedicar o resto da minha vida a mostrar o mapa da mina aos outros".

Aos poucos, Hermógenes começou a experimentar os efeitos benéficos da prática diária e, em alguns meses, sentiu-se renascido. Sua força e disposição retornaram, aumentava a amplitude de sua respiração, suas roupas já não serviam de tão frouxas e a boa cor retornava ao seu rosto: "descobri que o corpo não pode ser visto como outra coisa senão como um meio para se chegar a uma sabedoria maior".

Começou, então a dar aulas na garagem de uma aluna, devido ao crescente interesse em sua cura e reabilitação. Mergulhou nos livros de filosofia para, em 1.960, publicar um livro revolucionário para a época, o primeiro compêndio em português de Hatha Yoga: "Autoperfeição com Hatha Yoga", o primeiro manual do tipo publicado em língua portuguesa. Foi nessa época que conheceu Caio Miranda.

“Estudei muito para escrever. Não queria que o livro virasse objeto de riso dos profissionais, dos médicos... Ninguém falava em Yoga no Brasil. Eu estava sozinho nessa aventura fantástica”.

O livro causou rebuliço e Hermógenes começou a receber cartas de pessoas que insistiam para ele ampliar as suas aulas. Isso implicaria em sair da garagem de sua aluna e ter que cobrar pelas aulas. Ele diz que relutou muito, pois não queria "vender o Yoga". 

"Uma amiga me disse que eu não vivia em uma caverna na Índia, logo teria de cobrar pelas aulas para pagar o aluguel e as despesas da escola."

Teve que ceder aos pedidos, pois o número de alunos não mais cabia na garagem. Então, um dia, um amigo lhe fez uma surpresa: o levou para conhecer um espaço no centro do Rio de Janeiro e comprometeu-se a pagar a mensalidade se o professor não conseguisse alunos (o que nunca foi preciso). Surgiu aí a Academia Hermógenes de Yoga, fundada em 1.962, que permanece até hoje no mesmo endereço, sem ter filiais ou propaganda. 

Nessa época, Hermógenes conheceu Maria Bicalho, que viria a ser sua segunda esposa, e entrou em contato com os ensinamentos de Paramahansa Yogananda, autor do livro "Autobiography of a Yogi" (Autobiografia de Um Yogue). O livro foi originalmente lançado em 1.946 nos Estados Unidos e aqui no Brasil na década de 1.960 pela editora Sumus Editorial. 

Entretanto, a vendagem do livro no Brasil sempre foi inexpressiva, não alcançando a 200 exemplares por ano, pois esse autor indiano tinha muito pouca divulgação no país. Incansável buscador, Professor Hermógenes se tornou kriyaban, recebendo iniciação na técnica de Kriya Yoga de Paramahansa Yogananda.

Continuando sua busca e estudos, aprofundando seu conhecimento sobre o Sanatana Dharma (a Lei Eterna), e conheceu a Teosofia de Helena Petrovna Blavatsky. 

Sempre admirou a qualidade das traduções das escrituras indianas e da interpretação dada por autores teosóficos e acabou vice-presidente da Sociedade Teosófica no Brasil, em 1.975: “Entendo a Teosofia pelo seu conceito original, essencial e verdadeiro. 

Vejo que ela é a mesma coisa que Sanatana Dharma (ou Prajna). É a Lei Eterna, a sabedoria que liberta. A Teosofia arrumou minha cabeça e me ensinou a viver, simultaneamente, o Hinduísmo, o Budismo e o Cristianismo. Isso me facilitou a entender que as religiões são ramos diferentes de uma só árvore, que se alimenta de uma mesma seiva”. 

Em 1979 casa-se com Maria Bicalho, companheira inseparável, que passou a acompanhá-lo onde quer que fosse. Devota de Sathya Sai Baba, com ela viajou inúmeras vezes à Índia, onde teve a oportunidade de conhecer o mestre indiano. 

Foi um dos primeiros a trazer a mensagem de Sathya Sai Baba para o Brasil e, posteriormente, traduzir três de seus livros ("O Homem dos Milagres"; "O Fluir da Canção do Senhor (Gita Vahini) e "SADHANA, o Caminho Interior") e fundar o primeiro centro dedicado ao mestre no Brasil. 

A sua inauguração aconteceu no dia 27 de junho em 1987 e foi denominado Centro Bhagavan Sri Sathya Sai Baba do Rio de Janeiro. Mas apesar de seu nome oficial, acabou ficando informalmente conhecido como Centro Sathya Sai de Vila Isabel, devido ao bairro de sua localização. 

Em 1993, numa de suas viagens para a Índia, Maria foi atropelada por um caminhão e, após o acidente, ficou com sequelas neurológicas sérias.

Maria, minha esposa, é devota de Sai Baba, e, de fato, foi atropelada em frente ao Sai Ram. Onde está a proteção? Esse questionamento surge nas pessoas, naturalmente… 

'Então Deus não tem poder ou não quer proteger uma devota?', indagam. Vejo que a maioria das pessoas está enganada supondo que de Deus só temos que receber benesses, benevolência, a mãozinha pelo cabelo, coisas boas. Não. 

Nós é que criamos nossas próprias dores e Deus, por misericórdia, nos deu a Lei do Karma, e não interfere nessa lei, a não ser para aliviar a dor de quem está sofrendo. Jesus Cristo foi muito claro ao dizer que o caminho é estreito. São Paulo disse que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus..."

"A primeira coisa que fiz foi entregar minha mulher a Deus. Segue este esquema: entrego, confio, aceito e agradeço. E entrei em estado de tranquilidade. Se eu entrasse em pânico, o hospital iria tratar de dois, pois aos quase 72 anos eu poderia ter tido um enfarte, e outras tantas coisas. O fato ocorreu em janeiro e até agora não tive nada. Continuo administrando meu estresse, pois ela ainda está em recuperação. O pânico é o limite do estresse.

Maria teve mal de Alzheimer e morreu em fevereiro de 2002, 8 anos e 8 dias após o acidente. Hermógenes dedicou os livros "Iniciação ao Yoga" e "Superação à Mulher", com essa frase que sempre usa em momentos difíceis: "entrego, confio, aceito e agradeço". E completa: "Maria a mim não pertencia, logo não a perdi. Temos mania de achar que possuímos as coisas e as pessoas. Uma tremenda ilusão. Quando percebemos isso, a vida fica mais leve". 

Com seis netos e três bisnetos, o professor que começou escrevendo livros didáticos, em 1955, construiu um conjunto literário que conta com mais de 30 livros, alguns editados no exterior, além da tradução de seis volumes de cunho filosófico e espiritualista. 

Publicou, entre outros, "Saúde na Terceira Idade" e "Yoga para Nervosos". E perdeu a conta de seminários, aulas e palestras que fez no Brasil, em Portugal e na Argentina, onde, aliás, gozou de um prestígio que julga maior do que em nosso país. 

O professor Hermógenes recebeu a Medalha de Integração Nacional de Ciências da Saúde e o Diploma d'Onore no IX Congresso Internacional de Parapsicologia, Psicotrônica e Psiquiatria (Milão, 1977), foi escolhido o Cidadão da Paz do Rio de Janeiro, em 1988 e recebeu a Medalha Tiradentes em 8 de maio de 2000, premiação conferida pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo bem-estar e benefícios à saúde que as obras de José Hermógenes de Andrade Filho trouxeram para os brasileiros. 

O professor dividiu seu tempo entre a publicação de livros, a produção de artigos para a imprensa e teses para congressos científicos, e suas aulas, seja na forma de cursos ou seminários.

José Hermógenes de Andrade Filho é considerado o pioneiro em medicina holística no Brasil, com mais de 42 anos de prática e ensino de Yoga. 

Filósofo, poeta, escritor e terapeuta, o professor Hermógenes costumava dizer que se sentia mais jovem, aos 85 anos, do que aos 35. 

Doutor em Yogaterapia, título concedido pelo World Development Parliament, da Índia, foi considerado o criador do treinamento anti-stress.

Hermógenes desencarnou no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 2015, aos 94 anos. A família não divulgou a causa da morte.

Fonte:http://www.orion.med.br/index.php/livros/54-transpessoalidade/icdep/escoladep/399-hermogenes


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