Suicida após a morte (Segundo Emmanuel e André Luiz)

André Luiz:

A morte física não é banho milagroso, que converta maus em bons e ignorantes em sábios, de um instante para outro. 

Há desencarnados que se apegam aos ambientes domésticos, à maneira da hera às paredes. 

Outros, contudo, e em vultoso número, revoltam-se nos círculos da ignorância que lhes é própria e constituem as chamadas legiões das trevas, que afrontaram o próprio Jesus, por intermédio de obsidiados diversos. Organizam-se diabolicamente, formam cooperativas criminosas e ai daqueles que se transformam em seus companheiros! Os que caem na senda evolutiva, pelo descaso das oportunidades divinas, são escravos sofredores desses transitários, mas terríveis poderes das sombras, em cativeiro que pode caracterizar-se por longa duração. 

Se o desencarnado é um suicida, os espíritos responsáveis pela guarda destes sítios, não poderiam defende-lo. Entretanto, se fosse vítima de assassínio, sim, porque, na condição real de vítima, o homem segrega determinadas correntes de força magnética suscetíveis de pô-lo em contato com os missionários do auxílio, mas no suicídio previamente deliberado, sem a intromissão de inimigos ocultos, o desequilíbrio da alma é inexprimível e acarreta absoluta incapacidade de sintonia mental com os elementos superiores.


Emmanuel:

Após a morte, a primeira decepção que os aguarda é a realidade da vida que se não extingue com as transições da morte do corpo físico, vida essa agravada por tormentos pavorosos, em virtude de sua decisão tocada de suprema rebeldia. 

Suicidas há que continuam experimentando os padecimentos físicos da última hora terrestre, em seu corpo somático, indefinidamente. Anos a fio, sentem as impressões terríveis do tóxico que lhes aniquilou as energias, a perfuração do cérebro pelo corpo estranho partido da arma usada no gesto supremo, o peso das rodas pesadas sob as quais se atiraram na ânsia de desertar da vida, a passagem das águas silenciosas e tristes sobre os seus despojos, onde procuraram o olvido criminoso de suas tarefas no mundo e, comumente, a pior emoção do suicida é a de acompanhar, minuto a minuto, o processo da decomposição do corpo abandonado no seio da terra, verminado e apodrecido. 

De todos os desvios da vida humana o suicídio é, talvez, o maior deles pela sua característica de falso heroísmo, de negação absoluta da lei do amor e de suprema rebeldia à vontade de Deus, cuja justiça nunca se fez sentir, junto dos homens, sem a luz da misericórdia.


André Luiz:

O Suicídio (inconsciente) de André Luiz 


Henrique de Luna, do serviço de Assistência Médica da colônia espiritual, auscultou-me demoradamente, sorriu e explicou:

- é de lamentar que tenha vindo pelo suicídio.

Senti que singular assomo de revolta me borbulhava no íntimo.

Suicídio? Recordei as acusações dos seres perversos das sombras. Não obstante o cabedal de gratidão que começava a acumular, não calei a incriminação.

- Creio haja engano - asseverei, melindrado -, meu regresso do mundo não teve essa causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Saúde, tentando vencer a morte. Sofri duas operações graves, devido a oclusão intestinal...

- Sim - esclareceu o médico, demonstrando a mesma serenidade superior -, mas a oclusão radicava-se em causas profundas. Talvez o amigo não tenha ponderado bastante. O organismo espiritual apresenta em si mesmo a história completa das ações praticadas no mundo.

E inclinando-se, atencioso, indicava determinados pontos do meu corpo:

- Vejamos a zona intestinal - exclamou. - A oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis. A moléstia talvez não assumisse características tão graves, se o seu procedimento mental no planeta estivesse enquadrado nos princípios da fraternidade e da temperança. Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio, captava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam. Nunca imaginou que a cólera fosse manancial de forças negativas para nós mesmos? A ausência de autodomínio, a inadvertência no trato com os semelhantes, aos quais muitas vezes ofendeu sem refletir, conduziam-no freqüentemente à esfera dos seres doentes e inferiores. Tal circunstância agravou, de muito, o seu estado físico.

Depois de longa pausa, em que me examinava atentamente, continuou:

- Já observou, meu amigo, que seu fígado foi maltratado pela sua própria ação; que os rins foram esquecidos, com terrível menosprezo às dádivas sagradas?

Singular desapontamento invadira-me o coração. Parecendo desconhecer a angústia que me oprimia, continuava o médico, esclarecendo:

- Os órgãos do corpo somático possuem incalculáveis reservas, segundo os desígnios do Senhor. O meu amigo, no entanto, iludiu excelentes oportunidades, esperdiçado patrimônios preciosos da experiência física. A longa tarefa, que lhe foi confiada pelos Maiores da Espiritualidade Superior, foi reduzida a meras tentativas de trabalho que não se consumou. Todo o aparelho gástrico foi destruído à custa de excessos de alimentação e bebidas alcoólicas, aparentemente sem importância. Devorou-lhe a sífilis energias essenciais. Como vê, o suicídio é incontestável.

Meditei nos problemas dos caminhos humanos, refletindo nas oportunidades perdidas. Na vida humana, conseguia ajustar numerosas máscaras ao rosto, talhando-as conforme as situações. Aliás, não poderia supor, noutro tempo, que me seriam pedidas contas de episódios simples, que costumava considerar como fatos sem maior significação. 

Conceituara, até ali, os erros humanos, segundo os preceitos da criminologia. Todo acontecimento insignificante, estranho aos códigos, entraria na relação de fenômenos naturais. Deparava-se-me, porém, agora, outro sistema de verificação das faltas cometidas. Não me defrontavam tribunais de tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; contudo, benfeitores sorridentes comentavam-me as fraquezas como quem cuida de uma criança desorientada, longe das vistas paternas. 

Aquele interesse espontâneo, no entanto, feria-me a vaidade de homem. Talvez que, visitado por figuras diabólicas a me torturarem, de tridente nas mãos, encontrasse forças para tornar a derrota menos amarga. Todavia, a bondade exuberante de Clarêncio, a inflexão de ternura do médico, a calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me fundo o espírito. Não me dilacerava o desejo de reação; doía-me a vergonha. E chorei. Rosto entre as mãos, qual menino contrariado e infeliz, pus-me a soluçar com a dor que me parecia irremediável. 

Não havia como discordar. Henrique de Luna falava com sobejas razões. Por fim, abafando os impulsos vaidosos, reconheci a extensão de minhas leviandades de outros tempos. A falsa noção da dignidade pessoal cedia terreno à justiça. Perante minha visão espiritual só existia, agora, uma realidade torturante: era verdadeiramente um suicida, perdera o ensejo precioso da experiência humana, não passava de náufrago a quem se recolhia por caridade.

Foi então que o generoso Clarêncio, sentando-se no leito, a meu lado, afagou-me paternalmente os cabelos e falou comovido:

- Oh! meu filho, não te lastimes tanto. Busquei-te atendendo à intercessão dos que te amam, dos planos mais altos. Tuas lágrimas atingem seus corações. Não desejas ser grato, mantendo-te tranqüilo no exame das próprias faltas? Na verdade, tua posição é a do suicida inconsciente; mas é necessário reconhecer que centenas de criaturas se ausentam diariamente da Terra, nas mesmas condições. Acalma-te, pois. Aproveita os tesouros do arrependimento, guarda a bênção do remorso, embora tardio, sem esquecer que a aflição não resolve problemas. Confia no Senhor e em nossa dedicação fraternal. Sossega a alma perturbada, porque muitos de nós outros já perambulamos igualmente nos teus caminhos.

Ante a generosidade que transbordava dessas palavras, mergulhei a cabeça em seu colo paternal e chorei longamente.

Fonte:http://www.guia.heu.nom.br/suicida_apos_a_morte.htm




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