As duas faces da culpa

“E, imediatamente, pela segunda vez, o galo cantou. E Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe havia dito: Antes que o galo cante duas vezes, me negarás três vezes. E começou a chorar” (Marcos, 14:72.)

A culpa nos paralisa no tempo e ficamos soterrados sob os escombros de nossos desacertos. Ela interrompe nossas oportunidades de crescimento no presente em virtude de nossa obstinação neurótica em comportamentos do passado.

A culpa se estrutura nas crenças antigas do “pecado” irreparável e nos alicerces do perfeccionismo.

Só quando aceitarmos que a vida perfeita é uma impossibilidade humana, quando aprendermos que há limites em nosso grau evolutivo, quando nos conscientizarmos de que não temos todas as respostas para o que acontece, quando aceitarmos que somos passíveis de falhas ou enganos, quando abandonarmos o complexo de onipotência, é que a culpa terá acesso restrito em nosso mundo íntimo.

O arrependimento se distingue da culpa. O arrependimento se manifesta quando tomamos ciência de que sabíamos fazer algo melhor e não o fizemos, enquanto que a culpa é prepotência daquele que crê que “deveria ter agido melhor”, que “deveria ter previsto anteriormente os problemas atuais”, porém não o fez propositadamente, porque seu senso crítico era inexpressivo, não possuía consciência individual e coletiva, nem auto-reflexão; em outras palavras, sua consistência evolutiva era limitada.

A raiz da culpa é o nosso imenso orgulho e as expectativas absurdas “de como nós e os outros deveriam ser, de como deveríamos nos comportar diante dos fatos e acontecimentos”.

Há culpas e culpas…

Simão Pedro, filho de Jonas, conhecido como Pedro (do latim petra, a e — rocha, rochedo, penhasco, pedra), na realidade não tinha muito de rocha ou pedra; era um homem comum, com muitas das fragilidades humanas.

Na última ceia, Pedro contestou a predição do Mestre, que dizia: “Antes que o galo cante duas vezes, me negarás três vezes”.

O apóstolo deu a entender que os outros poderiam traí-lo, mas ele (a rocha), sob nenhuma condição, negaria o amor e a amizade que tinha pelo Mestre.

Depois, Pedro teve percepção de sua imaturidade e se arrependeu profundamente. Aceitou a condição de criatura em fase de crescimento espiritual, que ainda não tinha chegado à plenitude do ser.

Quem se arrepende abandona a culpa, pois não mais aprova os velhos comportamentos e atos imaturos. Todavia não se auto castiga pelo fato de não ser perfeito, nem causa a própria ruína física ou emocional, abandonando-se num mar de lamentação e pesar. Ao contrário: assume a responsabilidade de seus erros e evita repeti-los; ao mesmo tempo, abranda seu julgamento e perdoa a si mesmo.

Simão Pedro superou a culpa, transformou-se interiormente e vivenciou uma existência de amor, compaixão, serenidade e perdão. Ele despertou em si o Reino de Deus e passou a divulgar a Boa Nova de Jesus sem distinção de raça, nacionalidade ou condição sexual das pessoas de sua época.

Pedro suplantou a culpa.

A análise da culpa no comportamento de Simão Pedro diverge completamente da reflexão sobre Judas Iscariotes.

Quando Jesus estava sendo julgado pela suprema corte judia, o Grande Sinédrio, Judas estava do lado de fora, remoendo-se de culpa.

Judas sucumbiu diante do seu engano. “Então Judas, que o entregara, vendo que Jesus fora condenado, sentiu remorsos e veio devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, dizendo: Pequei entregando um sangue inocente. Mas estes responderam: Que temos nós com isso? O problema é teu. Ele, atirando as moedas no Templo, retirou-se e foi enforcar-se”1.

Ele se autodestruiu ao deparar com o tormento da traição ao Mestre. De forma ingênua, Judas acreditou nas promessas dissimuladas do poder mundano e falseou fatalmente.

Não soube se perdoar nem reparar seu erro. Poderia ter-se compensado e, igualmente, à coletividade pela perda do Mestre, procurando redimir-se do seu grande equívoco através da ação de fazer chegar a um grande número de pessoas a mensagem cristã.

Poderia também ter iniciado, quase que imediatamente, o trabalho de autotransformação, mas a culpa o paralisou por anos; só muito tempo depois, conseguiu reabilitar-se através das sucessivas encarnações.

A culpabilidade de Pedro resultou em arrependimento e lhe serviu de degrau para expandir seus horizontes existenciais. A culpabilidade de Judas derramou-se em remorso doentio, acabando em auto condenação.

Os chamados “pecadores” — os que tinham consciência de culpa descritos nas passagens do Novo Testamento – estavam apenas vivendo experiências evolutivas. O que chamamos de “imperfeição” no mundo são apenas as lições não aprendidas, que precisam ser recapituladas para que possamos melhorar nossas ações.

Tudo aquilo que nos parece negativo é apenas um “caminho preparatório” para alcançarmos um bem maior e definitivo.

Mesmo os comportamentos que acreditamos nos levar aos caminhos do mal não devem ser vistos como perdição eterna, mas somente equivocadas opções do nosso livre-arbítrio, que não deixam de ser experiências compensatórias e de aprimoramento a longo prazo.

Cada culpa, cada pessoa. Cada pessoa, cada culpa.

Use os erros e desacertos para seu crescimento interior. Aprenda com suas culpas e eleve-se para a Vida Maior.

Em se tratando de culpa, cada qual deve fazer uma auto-análise, visto que a falta é sempre proporcional a cada consciência.

Espírito Hammed;
psicografia de Francisco do Espírito Santo Neto;
Do livro: Um Modo de Entender Uma Nova Forma de Viver, cap. 31.









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