A Verdadeira Religião (Eliphas Levi - A Chave dos Grandes Mistérios)

A religião existe na humanidade como no amor.

É única como ele. 

Como ele, existe ou não existe nesta ou naquela alma; mas, seja aceita ou negada, está na humanidade, está, portanto, na vida, está na natureza, é incontestável diante da ciência e mesmo diante da razão. 

A verdadeira religião é a que sempre existiu, que existe e que sempre existirá. 

Podem-nos dizer que a religião é isto ou aquilo; a religião é o que é. A religião é ela, e as falsas religiões são superstições dela copiadas, dela emprestadas, sombras mentirosas dela própria. 

Pode-se dizer da religião o que se diz da arte verdadeira. As tentativas bárbaras de pintura ou escultura são tentativas da ignorância para se chegar à verdade. A arte prova-se por si, brilha com seu próprio esplendor, é única e eterna como a beleza. 

A verdadeira religião é bela, e é por esse caráter divino que se impõe aos respeitos da ciência e ao assentimento da razão. 

A ciência não poderia, sem temeridade, afirmar ou negar as hipóteses do dogma que são verdades para a fé; mas pode reconhecer, em certos aspectos, a única religião verdadeira, ou seja, a única que merece o nome de religião, reunindo todos os aspectos que convêm a essa grande e universal aspiração da alma humana. 

Uma só coisa evidentemente divina manifestou-se para todos no mundo. 

É a caridade. 

A obra da verdadeira religião deve ser a de produzir, conservar e difundir o espírito de caridade. Para alcançar esse objetivo, é preciso que ela própria tenha todas as características da caridade, de modo que se possa bem defini-la, nomeando-a de caridade organizada. 

Ora, quais são as características da caridade? 

É São Paulo quem vai nos ensinar. 

A caridade é paciente. 

Paciente como Deus, porque ela é eterna como ele. Sofre as perseguições e nunca persegue ninguém. 

É benevolente e indulgente, chamando para si os pequenos e não rechaçando os grandes. 

Não é invejosa. A quem e a que invejaria, não tem a melhor parte que nunca lhe será tirada? 

Não é nem inquieta e nem intrigante. 

Não tem orgulho, ambição, egoísmo, ira. 

Nunca supõe o mal e nunca triunfa pela injustiça, pois põe toda sua alegria na verdade. 

Suporta tudo sem jamais tolerar o mal. 

Crê em tudo, sua fé é simples, submissa, hierárquica e universal. 

Sustenta tudo, e nunca impõe fardos que não carregasse antes. 

A religião é paciente, é a religião dos grandes trabalhadores do pensamento: é a religião dos mártires. 

É benevolente como o Cristo e os apóstolos, como os Vicentes de Paulo e os Fenelons. 

Não deseja nem as dignidades nem os bens da terra. É a religião dos pais do deserto, de São Francisco de Assis e de São Bruno, das irmãs de caridade e dos irmão de São João de Deus. 

Não é nem inquieta nem intrigante, ela reza, faz o bem e espera. É humilde, é doce, só inspira a devoção e o sacrifício. Tem, enfim, todas as características da caridade, porque é a própria caridade. 

Os homens, ao contrário, são impacientes, perseguidores, invejosos, cruéis, ambiciosos, injustos e mostram-se como tais em nome dessa religião que puderam caluniar, mas que nunca obrigarão a mentir. Os homens passam, e a verdade é eterna. 

Filha da caridade e criando por sua vez a caridade, a verdadeira religião é essencialmente realizadora; acredita nos milagres da fé, porque os cumpre todos os dias quando faz a caridade. Uma religião que faz a caridade pode vangloriar-se de realizar todos os sonhos do amor divino. Assim, a fé da Igreja hierárquica transforma o mistério em realismo pela eficácia de seus sacramentos. Não mais signos, não mais figuras que não tenham sua força na graça e que não deem realmente o que prometem. A fé anima tudo, torna tudo de algum modo visível e palpável; as próprias parábolas de Jesus Cristo tomam um corpo e uma alma. Mostra-se em Jerusalém a casa do mau rico. Os simbolismos esparsos das religiões primitivas, abandonados pela ciência e privados da vida da fé, assemelhavam-se a essas ossadas embranquecidas que cobriam o campo de Ezequiel. O espírito do Salvador, o espírito de fé, o espírito de caridade sopraram esse pó, e tudo o que estava morto recuperou uma vida tão real que não se reconhece mais nesses vivos de hoje os cadáveres de ontem.

E por que seriam reconhecidos, uma vez que o mundo renovou-se, uma vez que São Paulo queimou no Éfeso os livros dos hierofantes. São Paulo era pois um bárbaro, e não estava cometendo um atentado contra a ciência? Não, mas ele queimava os sudários dos ressuscitados para fazê-los esquecer a morte. Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que então lembramos hoje as origens cabalísticas do dogma? Por que relacionamos as figuras da Bíblia com as alegorias de Hermes? Será para condenar São Paulo, para trazer a dúvida aos crentes? Certamente não, pois os crentes não necessitam de nosso livro, não o lerão, não o quererão compreender. Mas queremos mostrar à multidão inumerável dos que duvidam que a fé relaciona-se à razão de todos os séculos, à ciência de todos os sábios. Queremos forçar a liberdade humana e respeitar a autoridade divina, a razão a reconhecer as bases da fé, para que a fé e a autoridade, por sua vez, nunca mais proscrevam nem a liberdade nem a razão.

Eliphas Levi;
Do livro: A Chave dos Grandes Mistérios.

*Imagem: Grande Pantáculo tirado da visão de São João

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