Aparências enganam

Quem visse aquele homem de aparência respeitável, abeirando-se dos sessenta anos, o tomaria como a expressão do bom senso e do equilíbrio espiritual. Conhecedor da doutrina espírita há mais de três décadas, trabalhava no núcleo religioso conduzido por Ribeiro, como médium, quase pelo mesmo tempo. A postura segura, o falar pausado e o semblante austero impressionavam os circundantes que, mais do que a qualquer outro, prestavam-lhe especial atenção às palavras e opiniões.

Peixoto, entretanto, não correspondia no íntimo ao que a superfície das aparências indicavam.

Jamais estivera completamente integrado aos planos espirituais superiores na execução da Vontade Divina através do veículo mediúnico.

Era das pessoas, como milhares há por aí, que julgava que a vida era um conjunto de compartimentos isolados uns dos outros, de cuja reunião se compunha o conjunto, como um joguinho de peças de montar.

Por isso, não via o trabalho de elevação espiritual como algo a ser exercitado em todas as horas de seu dia, nos lugares onde estivesse e com todas as pessoas com quem convivesse.

Interessado nos ganhos materiais e viciado pela satisfação do conforto que buscara, inicialmente para si e mais tarde para a prole, Peixoto acreditava que a hora de ser médium era aquela especificada nas previsões do trabalho espiritual da instituição dirigida por Ribeiro e Jurandir.

Fora do Centro, pautava seu comportamento segundo os interesses imediatos, atrelados aos ganhos e conquistas que tanto o envaideciam como homem bem sucedido.

Apresentava-se com esmero e apuro, cuidando da aparência porque sabia que o mundo valorizava o exterior acima de tudo e, com uma boa figura, conseguiria bons relacionamentos.

Nas atividades comerciais e negociais onde se desenvolvia, Peixoto primava pela astuciosa inteligência, sabendo calcular as perdas e os ganhos da transação com a rapidez de uma máquina moderna, conseguindo tirar de seus negócios lauta fatia de lucros que não corresponderiam, tão somente, ao justo quinhão que lhe caberia.

Peixoto, no entanto, não trazia nenhuma preocupação de consciência, uma vez que, apesar do cristianismo espírita em cujo barco se metera há tantos anos, partilhava da convicção de que o centro espírita era o centro e o mundo era o mundo.

- A gente não nasceu no centro espírita. A gente vai lá pra ajudar os espíritos, pra recebê-los como médiuns, pra fazer a nossa parte de caridade, cumprindo nossa obrigação. No entanto, depois, a gente tem de voltar para casa, onde nos esperam as tarefas do abastecimento, as necessidades do vestuário, a conta de água, de luz, de telefone, os vazamentos do encanamento, o gás, a gasolina do automóvel, os bancos que cobram, tudo isso precisa ser enfrentado e não serão os espíritos que vão pagar nossas contas – argumentava ele consigo mesmo, repetindo estes conceitos à boca pequena, sempre que algum interessado em esclarecimentos se acercava dele trazendo a discussão religiosa para o terreno da sobrevivência, no eterno conflito entre os ensinamentos do Evangelho e as ambições na vida pessoal.

O mentor espiritual da instituição, Ribeiro, bem conhecia os modos estranhos de Peixoto, mas, sem desejar pressionar o velho cooperador, observava o pouco desenvolvimento de suas faculdades mediúnicas, sempre predispostas apenas a um tipo de uso, aquele que favorecia a comunicação de entidades infelizes, espíritos agressivos, entidades desencarnadas ainda muito presas à matéria e aos bens do mundo.

Parecia que os dirigentes invisíveis tentavam auxiliar Peixoto a despertar para as responsabilidades mais profundas do viver, colocando ao seu redor entidades sintonizadas a interesses iguais aos dele ou, como acontecia muitas vezes, permitindo que os Espíritos que se imantavam ao médium durante seus trabalhos diários trouxessem sua palavra através daquele mesmo indivíduo que obsediavam.

Nada, no entanto, parecia fazer Peixoto modificar seu caráter infantil para as coisas do espírito.

Às reuniões mediúnicas, comparecia com sincero desejo de entregar-se ao trabalho do bem, orando, pedindo a Deus e aos seus mentores espirituais que se valessem dele para o amparo aos irmãos invisíveis mais necessitados. Ele, porém não conseguia aumentar o teor de vibrações por estar mental e emocionalmente viciado nos compromissos inferiores dos ganhos e dos interesses pessoais.

Inúmeras vezes, suas orações mais secretas eram súplicas aos Espíritos para que seus negócios fossem bem sucedidos ou para que os planos de investimento que fazia conseguissem o sucesso almejado.

Espírito Lucius;
Psicografia de André Luiz Ruiz;
Do livro: Herdeiros do Novo Mundo, cap. 10.

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