Os Possessos Gadarenos - Jesus expulsa uma legião de espíritos (Caibar Schutel)

Tendo ele chegado a outra banda, terra dos gadarenos, dois endemoninhados, em extremo furiosos, de modo que ninguém podia passar por aquele caminho, saindo dos túmulos, vieram-lhe ao encontro. E gritaram: Que temos nós contigo, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo? Ora, a alguma distância deles, pastava uma grande manada de porcos. E os demônios rogavam-lhe: Se nos expeles, envia-nos para a manada de porcos. Disse-lhes Jesus: Ide. E tendo eles saído, passaram para os porcos; e toda a manada precipitou-se pelo declive no mar, e ali se afogaram. Os pastores fugiram, foram à cidade e contaram todas estas coisas, e o que tinha acontecido aos endemoninhados. Então a cidade toda saiu ao encontro de Jesus; e, ao verem-no, rogaram-lhe que se retirasse daqueles termos. " (Mateus, viu, 28-34)

"Chegaram ao outro lado do mar, ao território dos gerasenos. Quando Jesus desembarcou, veio logo ao seu encontro, dos túmulos, um homem possesso de espírito imundo, o qual tinha ali a sua morada, e nem mesmo com cadeias podia já alguém segurá-lo; porque tendo sido muitas vezes seguro com grilhões e cadeias, tinha quebrado as cadeias e despedaçado os grilhões, e ninguém tinha força para o subjugar; e sempre, de dia e de noite, gritava nos túmulos e nos montes, ferindo-se com pedras. Então vendo de longe a Jesus, correu para ele e o adorou, gritando em alta voz: Que tenho eu contigo, Filho de Deus Altíssimo?

Por Deus te conjuro que não me atormentes. Pois Jesus lhe disse. Espírito imundo sai desse homem E perguntou-lhe: Qual o teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos. E rogava a Jesus com insistência que os não mandasse para fora do território. Ora pastava ali pelo monte uma grande manada de porcos; e os espíritos imundos suplicaram-lhe, dizendo: Envia-nos para os porcos, afim que entremos neles. E ele o permitiu. E então eles, saindo entraram nos porcos; e a manada, que era cerca de de mil, precipitou-se pelo declive do mar; e ali se afogaram. Os pastores fugiram e foram dar notícias disto nas cidades e e nos campos; e muitos foram ver o que tinha acontecido, chegando a Jesus, viram o endemoninhado que havia tido legião, sentado, vestido e em perfeito juízo; e ficaram com medo. Os que presenciaram o fato, contaram-lhes o que havia acontecido ao endemoninhado e aos porcos. E começaram a rogar-lhe que se retirasse daqueles termos.

"Ao entrar ele na barca, aquele que fora endemoninhado rogou-lhe que o deixasse estar com ele. Jesus não o permitiu mas disse-lhe: Vai para tua casa, para teus parentes, conta-lhes tudo o que o Senhor te fez e como teve compaixão de ti. Retirando-se começou a publicar em Decápole tudo que lhe havia feito Jesus; e todos ficaram maravilhados. (Marcos, V, 1-20) "Aportaram à terra dos gerasenos, que é fronteira à Galileia. Depois de haver ele desembarcado, veio da cidade ao seu encontro um homem, possesso de demônios, que havia muito tempo não vestia roupa e não habitava em casa alguma mas nos túmulos. Ele, vendo a Jesus, gritou, caiu-lhe ao pés e disse em alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho de Deus Altíssimo? Rogo-te que não me atormentes. Porque Jesus ordenara ao espírito imundo que saísse do homem.

Pois muitas vezes se apoderava dele; e o homem era posto sob guarda e preso com algemas e grilhões, mas ele, partindo as cadeias, era impelido pelo demônio para os desertos. Perguntou-lhe Jesus: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião, porque eram muitos os demônios que nele haviam entrado. Estes lhe suplicaram que não os mandassem ir para o abismo. Ora havia ali uma grande manada de porcos pastando no monte; e pediram-lhe que lhes permitissem passar para eles. E foi-lhes permitido. E os demônios, tendo saído do homem, entraram nos porcos; e a manada precipitou-se pelo declive do lago e afogou-se.

Quando os pastores viram o que havia acontecido, fugiram e foram contá-lo na cidade e nos campos. Então saiu o povo para ver o que se tinha passado; e foram ter com Jesus, a cujos pés encontraram sentado e vestido, e em perfeito juízo, o homem do qual tinham saído os demônios; e ficaram com medo. "Os que haviam visto, contaram-lhes de que modo se realizara a cura do endemoninhado. E todo o povo da terra dos gerasenos rogou-lhe que se retirasse deles, pois estavam possuídos de grande medo; e Jesus entrou na barca e voltou.

Mas o homem de quem tinham saído os demônios, suplicava-lhe que o deixasse acompanhá-lo. Jesus, porém, despediu-o dizendo: Volta para tua casa e conta tudo o que Deus te fez. E o homem partiu, publicando por toda a cidade tudo o que lhe fizera Jesus. " (Lucas, VIII, 26-39) Sem explicação, ou mal explicadas, as escrituras não têm valor nenhum. Elas encerram verdades dignas de nota, e por isso não podem ser lidas como se leem um conto ou um romance; precisam ser estudadas.
 

Estamos vendo, pelas narrativas dos três Evangelhos Sinóticos, acima exaradas, que não estão de acordo os três Evangelistas. Mateus fala de dois endemoninhados, ao passo que Marcos e Lucas dizem que foi um. 

O estudante atencioso começa logo a perder a confiança dos narradores e duvida que o fato tenha sido real, que se tivesse verificado o "milagre" da cura de um ou dois endemoninhados, pela expulsão da "Legião" que os atormentava. Tudo por quê? Porque, em sua narração simples, cada qual se limitou a dizer o que ouvira de testemunhas fidedignas, deixando de dar minúcias mais características sobre o fato e os lugares onde ele ocorreu. Mas os Evangelhos são sinóticos, isto é, sintéticos, resumidos, em forma quase de súmula; constituem uma recapitulação de tudo o que ocorreu no tempo de Jesus, mas abreviadamente.

Daí a necessidade de penetrarmos mais no âmago dos escritores, seja para bem interpretarmos o seu pensamento, seja para nos inteirarmos mais até da parte histórica dos referidos livros. É bem possível, pois, que Jesus não tivesse efetuado somente uma cura, a do geraseno referido no Evangelho de Lucas, e que concorda plenamente com a narrativa de Marcos. É provável que, além desta, se houvesse realizado a cura de mais dois infelizes perseguidos por uma "legião de espíritos maus". Com efeito, Lucas e Marcos dizem que o paciente que sofria de constrangimento sob tal "legião" achava-se na terra dos gerasenos, ao passo que Mateus narra o acontecimento como ocorrido em Gadara, isto é, na terra dos gadarenos. Parece-nos que são dois casos completamente distintos.

Os gerasenos eram de Gerasa, uma das cidades da Peréia, da costa do Mar Morto. E os gadarenos eram da cidade de Gadara, hoje Kedar, cidade também da Peréia, que foi uma praça forte no tempo de Josefo. Podemos concluir, por isso, que não foi uma única cura, desse gênero, que Jesus realizou, mas diversas, e das quais são lembradas, para exemplo, as citadas mais acima.

Os casos de obsessão, principalmente de subjugação, são sempre acionados por diversos espíritos. Quase nunca é um só que atua no paciente e os próprios investigadores científicos, nos casos que eles chamam de "histeria" e em outros de "loucura", notam a manifestação de mais de uma personalidade. Tanto que, em certos casos, qualificam o paciente como portador de dupla personalidade, quando se manifestam duas entidades; e de personalidades múltiplas, quando se manifestam muitas...

Quanto à parte fenomenológica, os cientistas e mesmo os médicos que não creem no Espiritismo, não a negam. Procuram dar uma razão "do sangue, dos nervos, da sífilis, da tara", mas afirmam o que estão vendo e o que os demais também veem. Mas, analisemos melhor o caso. O restabelecimento dos enfermos seguiu-se logo após às ordens dadas por Jesus aos espíritos maléficos, pelo que se conclui que a causa da loucura daqueles homens não era uma causa física, nem da espinha, nem do cérebro, nem dos nervos, mas, sim, uma causa psíquica e inteligente, embora essa inteligência fosse votada ao mal.

...Sublata causa tollitur efectus — cessada a causa desapareceram os efeitos; expelidos os Espíritos cessou a loucura, e os homens se restabeleceram. Como conseguiu Jesus realizar essas curas? Espírito puríssimo, de grande força moral, que vale muito mais que a força material, Jesus dominou os espíritos que tinham força física para se apoderarem dos outros, mas não tinham força moral para resistir às ordens superiores; tiveram de obedecer ao Enviado de Deus, que se permitiu "irem aos porcos", é porque "similia cum similía congregantur". "Os porcos de espíritos" devem andar com os "porcos animais".

Foi uma lição de moral que o Mestre quis deixar, para que os homens aprendam a limpar-se das mazelas morais que os deprimem, porque se não o fizerem, quando passados para a outra vida, em vez de irem para as alturas espirituais, permanecerão nas imundas manadas, sujeitos de um momento para outro a ficarem submersos nos mares bravios do sofrimento, afogados nas ondas do desespero, sem encontrarem, por muito tempo, uma tábua de salvação à qual se agarrem. A lição é toda comparativa; a letra da narração não nos deve interessar, como interessou aos pastores fugitivos e à população das duas cidades da Peréia a perda dos porcos.

Esse prejuízo nada representa no ensino espiritual. Aos pastores e à população da cidade uma manada de porcos nada valeria, em comparação com a salvação de suas almas. Nossa provável estranheza pela existência de uma manada de porcos na Peréia, visto que os judeus não comiam carne de porco, tem tanta importância quanto à da perda da manada. Demais, essa manada poderia ser de meia dúzia de porcos, embora não saibamos para que os gadarenos e os gerasenos os estariam cevando. Outra parte interessante destas narrativas é a da manifestação dos espíritos, percebida pelos animais.

O animal inferior não pode ser médium de um espírito humano, como disse Allan Kardec, mas pode perceber, e, de fato, em certas e determinadas circunstâncias percebe os espíritos. Os livros sagrados estão cheios dessas manifestações ou fenômenos. O Dr. Ernesto Bozzano fez uma bela coletânea de fatos desse gênero, que pode ser consultada por todos os investigadores. No Antigo Testamento vemos a burra de Balaão retrocedendo pela visão que teve de um Espírito que, por ordem do Senhor, viera advertir a Balaão. 

Assim, no caso da "legião dos porcos", não foram os espíritos que entraram nos porcos; estes, espavoridos com a visão que tiveram, ao fugirem precipitaram-se no mar. De modo que, embora os homens neguem a existência e aparição dos Espíritos, estes fenômenos são tão verdadeiros que até os animais os percebem e podem, em determinadas circunstâncias, testemunhar a sua manifestação.

Cairbar Schutel

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