Pais que têm medo de "vento encanado", mas alimentam os filhos com
"lixo tóxico", referindo-se à comida industrializada. Pais que não
suportam ver os filhos frustrados ou entediados, e por isso exageram nas
atividades impostas ou nas distrações tecnológicas.
Esse é o retrato
que o pediatra Daniel Becker faz da educação que muitos brasileiros têm
dado aos filhos, como relatou no "Roda Viva", da TV Cultura, desta
segunda-feira (9). O programa foi transmitido ao vivo pelo
Pioneiro da pediatria integral no Brasil (que une a medicina
convencional a saberes tradicionais como a acupuntura, a osteopatia e a
homeopatia), Becker lamentou a rotina a que as crianças têm sido
submetidas. Para ele, falta tempo para brincar e contato com a natureza.
"Já chegamos no ponto em que o médico precisa prescrever a
brincadeira", comentou o pediatra.
Ao falar sobre o abuso da
tecnologia pelas crianças, ele criticou o exagero no uso de tablets. "É
uma oferta de diversão móvel e a criança se afasta do convívio com os
pais e as outras pessoas." No entanto, ele acredita que a TV ainda é o
inimigo mais perigoso, já que traz o veneno da propaganda. O médico
defende mais controle sobre a publicidade, que só oferece "lixo tóxico",
futilidade e sexualização precoce.
Becker também condenou o
fato de que as crianças têm total acesso à propaganda de bebida
alcoólica, uma vez que os fabricantes patrocinam eventos como Carnaval e
Copa do Mundo. Para ele, a publicidade faz os jovens acreditarem que só
tem amigos quem toma cerveja.
Déficit de atenção
Perguntado sobre o excesso de prescrição de medicamentos para TDAH
(Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade) no Brasil, Becker
disse que, infelizmente, a 'medicalização' da vida é uma tendência,
reforçada pela influência da indústria farmacêutica sobre os médicos.
Ele acredita que comportamentos infantis normais estão sendo encarados
como doença, ou classificados como tal por pais e escolas que não sabem
lidar com uma criança que é um pouco diferente da média. Além disso, a
rotina dos pequenos, para ele, só piora o quadro: "A criança volta de
noite da escola; quando chega liga TV, computador e videogame; come
salgadinho, açúcar, corante e conservante o dia inteiro; e não vê
natureza - como é que ela vai ouvir o professor falar sobre helmintos e
platelmintos e vai se comportar bem?"
Babá ou berçário?
Para o médico, deixar a criança na creche ou no berçário com cinco ou
seis meses não é a melhor opção. Ele explicou que, nessa fase, o bebê
sofre uma espécie de "crise": começa a se sentar, a se afastar do seio
materno, começam a nascer os primeiros dentes e ela perde as defesas
contra infecções que herdava da mãe. Se nesse momento, de fragilidade, é
deixada em um ambiente com várias outras crianças, vai ser bombardeada
por vírus e bactérias. "Essas crianças têm mais infecções e sequelas
mais graves dessas infecções", comentou.
Becker tem dois filhos
que ficaram com babás até aprenderem a andar, e foram para a escola com
mais ou menos 1 ano e 2 meses. Mas ele entende que nem todo mundo pode
pagar uma profissional, e quem pode nem sempre encontra uma babá de
confiança. Para o médico, a solução muitas vezes adotada por famílias
menos privilegiadas - de deixar os filhos com uma amiga ou parente -
ainda é melhor para a criança do que ser deixada na creche.
Obesidade x anorexia
O pediatra acredita que o combate à obesidade, crescente entre as
crianças brasileiras, deve passar pela conscientização e pela mudança de
atitude dos pais. "Uma criança de seis meses não precisa de açúcar",
exemplificou. Mas ele também entende que se trata de um problema social:
enquanto uma família de classe alta tem acesso a nutricionistas e pode
fazer compras com frequência, é difícil para uma mãe pobre pegar ônibus
para garantir uma alimentação natural para o filho.
O culto
atual à magreza excessiva - no extremo oposto -, também foi um tema
abordado por Becker no "Roda Viva". Em um texto postado no Facebook que
teve enorme repercussão, o pediatra contou que ficou chocado ao
encontrar a top brasileira Izabel Goulart, que lhe pareceu esquelética, e
depois ver uma foto da modelo em uma revista que elogiava o "corpo
perfeito" da beldade. Esse tipo de padrão, segundo ele, é responsável
por um número cada vez maior de adolescentes com anorexia, um problema
gravíssimo que muitas vezes leva à internação.
Mais Médicos
Becker trabalhou num campo de refugiados no Camboja pelos Médicos sem
Fronteiras e foi um dos pioneiros do modelo do programa Saúde da
Família, que considera "uma grande resposta", não só para rincões, mas
para grandes cidades, também.
Questionado sobre o Mais Médicos,
o pediatra lamentou a forma como o programa foi lançado, sem diálogo
suficiente com a sociedade e com a classe médica e em um momento
eleitoreiro. "Mas colocar médicos em áreas onde o Estado brasileiro não
consegue colocar é importante", ponderou, apesar de reconhecer que o
ideal seria esses locais terem condições para atrair os profissionais.
Ele acredita que esses profissionais não precisam entender de cirurgia
cardíaca, por exemplo, mas conhecer bem o que é mais frequente na
comunidade em que atuam. Nesse aspecto, o médico acredita que os cubanos
estão preparados para isso.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/12/10/pediatra-e-entrevistado-no-roda-viva.htm
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