Biografia: Krishnamurti

Jiddu Krishnamurti nasceu em 1895, em uma família pobre de brâmanes. Como era de se esperar dessa casta hindu, eles seguiam estritamente as tradições. Por isso nomearam o oitavo filho como Krishna, a encarnação de Vishnu. Ele foi uma criança muito frágil e sensível, e apanhava dos colegas na escola e do pai em casa. Seu pai trabalhava para a administração britânica da Índia colonial, mas depois de se aposentar procurou emprego na Sociedade Teosófica como sacerdote. Toda a família se mudou para uma cabana fora das instalações teosóficas. As condições de higiene eram precárias, e todos adoeceram e pegaram piolho.

Charles Webster Leadbeater era um influente místico da Sociedade Teosófica. Ele reconheceu em Krishnamurti uma aura muito forte, contrastante com seu corpo frágil e sua pobreza de expressão facial. Leadbeater estava convencido de que o garoto seria um grande guia espiritual e orador. Krishnamurti poderia ser um veículo para os Mestres Ascensionados que guiaria a evolução da humanidade. Ele era passivo, inseguro, apático e subserviente. Depois de ser descoberto, Krishnamurti e seu irmão mais próximo foram protegidos e educados pela Sociedade Teosófica.

Annie Wood Besant,
Tutora de Krishnamurti
O treinamento imposto pela Sociedade Teosófica incluía vários assuntos escolares, exercícios físicos, esportes, yoga, meditação e noções de higiene. Além disso, aulas sobre a cultura e as maneiras da sociedade britânica. Sua imagem pública deveria ser, de acordo com os teosofistas, educada, sóbria, cosmopolita, e de uma natureza santamente desapegada. Essa foi a imagem externa que ele sustentou por toda sua vida. Mas, conforme ia crescendo,  Krishnamurti ia demonstrando sinais de rebelião adolescente e instabilidade emocional. Reclamando do regime imposto a ele, e visivelmente desconfortável com a publicidade redor de sua imagem, muitas vezes ele expressou dúvidas quanto ao futuro previsto para si. Mesmo assim ele se tornou a figura central da Ordem da Estrela no Oriente (OSE). A missão dessa organização seria preparar o mundo para a chegada de um novo messias, chamado Professor Mundial.

Entre 1911 e 1921 ele deu várias palestras em diferentes países europeus, e escreveu bastante, sempre acompanhado de seus patronos. Depois ele se mudou para um vale na Califórnia com sua principal tutora e seu irmão, diagnosticado com tuberculose. Lá eles compraram um terreno e fundaram sua residência oficial. Foi um lugar de clima favorável para o tratamento da doença do irmão. E longe, pela primeira vez, das lideranças da Sociedade Teosófica.

Em 1922, na residência oficial, ele sofreu o que posteriormente foi chamado de “o processo”: Dores, sensibilidade, perda de apetite e delírios. Em alguns momentos Krishnamurti parecia ter desmaiado, mas depois ele contava que esteve bastante consciente o tempo todo, e que sentiu uma união mística. Detalhes do processo podem ser lidos no livro Krishnamurti’s Notebook, um diário pessoal publicado em 1976.

Esses eventos foram mais frequentes no início, mas ocorreram ao longo de toda sua vida. Ele acordava com uma forte sensação de alteridade, consciente de um mundo além de todo pensamento. Um aumento da sensibilidade, não só para a beleza, mas também para outras coisas. O processo também ocorreu com Krishnamurti em situações da vida diária. Em pelo menos duas entrevistas ele sentiu que uma força preenchia a sala, aparecendo subitamente e inesperadamente, de forma intensa e dominante mas, ao mesmo tempo, calma e serena. “Não é possível acostumar-se com ela, porque ela nunca foi, nem nunca será”.

O teosofista Leadbeater sugeriu explicações místicas para “o processo“, mas o próprio Krishnamurti procurou explicações mais racionais, igualmente inconclusivas. Conforme as notícias sobre essas experiências cresciam, rumores sobre o status messiânico de Krishnamurti atingiram nível máximo. Ao mesmo tempo em que crescia a adulação à sua imagem, também crescia sua insatisfação. Até aquele dia, a Sociedade Teosófica planejou e explicou o progresso espiritual de Krishnamurti. Mas agora havia ocorrido uma coisa para a qual o treinamento não o havia preparado. Uma carga foi levantada de sua consciência e ele deu os primeiros passos para se tornar um indivíduo. “O processo” aconteceu com ele sozinho. Não foi plantado por seus mentores. Ele deu a Krishnamurti o solo onde seu espírito renovado de confiança e e independência pode criar raízes. 

As doenças de seu irmão pioraram e ele acabou morrendo. Isso também contrariou as previsões da Sociedade Teosófica de que seu irmão sempre o acompanharia na missão. Seu irmão era também seu melhor amigo e companheiro. Krishnamurti ficou chocado e arrasado, mas vinte dias depois ele parecia tranquilo, radiante e livre de qualquer emoção. Não se via sinais do que ele havia passado. A experiência da morte do irmão parece ter destruído qualquer ilusão remanescente, e uma nova visão estava surgindo.

Ao longo dos anos, a nova visão e a consciência de Krishnamurti continuaram se desenvolvendo. Novos conceitos apareceram em suas palestras, entrevistas e textos. Seu vocabulário evoluía livre das terminologias da terminologia teosófica. Essa nova direção chegou ao clímax quando ele rejeitou tentativas da Sociedade de continuar com a Ordem da Estrela. Krishnamurti dissolveu a organização com o seguinte discurso:

Eu insisto que a verdade é um terreno sem caminho. Você não pode se aproximar dela por nenhum caminho, seja seita ou religião. Esse é meu ponto de vista, que eu aderi absolutamente e incondicionalmente. A verdade, sendo ilimitada, incondicionada, inatingível através de qualquer caminho, não pode ser organizada. Nenhuma organização deveria ser fundada para induzir ou coagir as pessoas a um determinado caminho. Este não é nenhum fato magnífico, porque eu não quero seguidores. A partir do momento que você começa a seguir alguém, você deixa de seguir a verdade. Eu não estou preocupado se vocês prestam atenção ao que eu digo ou não. Eu quero fazer uma coisa neste mundo, e eu vou fazê-la com concentração imperturbável. Eu estou preocupado apenas com uma coisa essencial: Em liberar o Homem. Eu desejo liberá-lo de todas as jaulas, todos os medos. Não desejo fundar novas religiões, novas seitas, nem estabelecer novas teorias ou novas filosofias

Charles Leadbeater 
Com a dissolução da Ordem da Estrela, proeminentes teosofistas ficaram contra Krishnamurti, incluindo Charles Webster Leadbeater (foto). Não há registros dele afirmando ser o Professor Mundial. Sempre que pediam para que essa questão se esclarecesse, ele insistia que isso é irrelevante ou dava respostas propositalmente vagas. Ele se dissociou da Sociedade Teosófica e de seus ensinamentos e práticas, mas manteve contato cordial com vários membros.



Em 1938, dando palestras pelo mundo inteiro ao lado de seus associados, Krishnamurti conheceu Aldous Huxley (foto). Eles iniciaram uma amizade que durou até o fim de suas vidas. Huxley inclusive escreveu o prefácio do livro “The First and Last Freedom”, o segundo de Krishnamurti. Ambos estavam preocupados com a iminência da Segunda Guerra Mundial, que eles viam como um produto da influência perniciosa do nacionalismo. A opinião de Krishnamurti já foi considerada pacifista, mas também subversiva durante o fervor patriótico dos EUA. Ele foi vigiado pelo FBI e parou de falar publicamente por quatro anos.

Logo depois da Segunda Guerra, Krishnamurti estava na Índia dando palestras. “O conhecimento de si mesmo só surge nas relações. Em observar a si mesmo na relação com as pessoas, idéias e coisas. As árvores, a terra e o mundo ao redor de você e dentro de você. Relações são os espelhos onde o “eu mesmo” é revelado. Sem autoconhecimento não há base para pensamento e ação corretos” O Primeiro Ministro indiano estava presente e perguntou: “Por onde começo?” A resposta foi: “Comece onde você está. Leia cada palavra, cada frase, cada parágrafo da mente conforme ela trabalha através do pensamento”

Nos anos 1960, Krishnamurti conheceu o trabalho de David Bohm (foto). Este cientista quântico estudava a essência do mundo físico e a relacionava com neurologia, psicologia e filosofias da consciência. Eles encontraram paralelismo em suas ideias e se tornaram bons amigos. Juntos, deram muitas palestras e debates públicos, o que serviu para introduzir Krishnamurti no círculo científico. Assim ele veio a conhecer Fritjof Capra, George Sudarshan, Rupert Sheldrake, David Shainbert e vários psicólogos e psicoterapeutas de diferentes orientações teóricas.

Em 1985, Krishnamurti visitou a India pela última vez, dando o que ele chamou de “palestras de despedida”. Ele percebeu que seu corpo estava decaindo. Em breve ele não poderia mais falar em público e dizia aos seus associados que sua vida não teria mais propósito. Em sua última palestra ele convidou o público a examinar a importância do questionamento, os efeitos da tecnologia, e as naturezas da meditação, da vida e da criação.

Ele morreu de câncer em 1986, aos 90 anos. No final ele estava preocupado com seu legado. Ele não queria que ninguém posasse como um intérprete de seus ensinamentos, e deixou isso bem claro entre seus associados. Numa apresentação, dias antes de sua morte, ele declarou que nem o público nem os associados entenderam os ensinamentos. Adicionou que a “imensa energia” que o acompanhou ao longo da vida, iria desaparecer com sua morte, impossibilitando sucessores. No entanto, também afirmou que as pessoas poderiam se aproximar dessa energia para obter certo grau de entendimento, se vivessem os ensinamentos.

Fonte: wikipedia em inglês;

Traduzido, adaptado e editado por Sebastian Valle 

Um comentário:

  1. Muito agradecido por esta breve biografia.
    Felicidades à todos.
    Luz e Paz.

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