Ninguém poderá ver o reino de Deus se não nascer de novo
Ressurreição e Reencarnação - A reencarnação fortalece os laços de família, ao passo que a unicidade da existência os rompe. - Instruções dos espíritos - Limites da encarnação - Necessidade da encarnação.
1. Jesus, tendo vindo às cercanias de Cezaréia de Filipe, interrogou assim seus discípulos: "Que dizem os homens, com relação ao Filho do Homem? Quem dizem que eu sou?" - Eles lhe responderam: "Dizem uns que és João Batista; outros, que Elias; outros, que Jeremias, ou algum dos profetas." - Perguntou-lhes Jesus: "E vós, quem dizeis que eu sou?" - Simão Pedro, tomando a palavra, respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo." - Replicou-lhe Jesus: "Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que isso te revelaram, mas meu Pai, que está nos céus." (S. Mateus, cap. XVI, vv. 13 a 17; S. Marcos, cap. VIII, vv. 27 a 30).
1. Jesus, tendo vindo às cercanias de Cezaréia de Filipe, interrogou assim seus discípulos: "Que dizem os homens, com relação ao Filho do Homem? Quem dizem que eu sou?" - Eles lhe responderam: "Dizem uns que és João Batista; outros, que Elias; outros, que Jeremias, ou algum dos profetas." - Perguntou-lhes Jesus: "E vós, quem dizeis que eu sou?" - Simão Pedro, tomando a palavra, respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo." - Replicou-lhe Jesus: "Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que isso te revelaram, mas meu Pai, que está nos céus." (S. Mateus, cap. XVI, vv. 13 a 17; S. Marcos, cap. VIII, vv. 27 a 30).
2. Nesse ínterim, Herodes, o Tetrarca, ouvira falar de tudo o que fazia
Jesus e seu espírito se achava em suspenso - porque uns diziam que João Batista
ressuscitara dentre os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que uns dos
antigos profetas ressuscitara. - Disse então Herodes: "Mandei cortar a cabeça a
João Batista; quem é então esse de quem ouço dizer tão grandes coisas?" E ardia
por vê-lo. (S. Marcos, cap. VI, vv. 14 a 16; S. Lucas, cap. IX, vv. 7 a 9).
3. (Após a transfiguração.) Seus discípulos então o interrogam desta
forma: "Por que dizem os escribas ser preciso que antes volte Elias?" - Jesus
lhes respondeu: "É verdade que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas: -
mas, eu vos declaro que Elias já veio e eles não o conheceram e o trataram como
lhes aprouve. É assim que farão sofrer o Filho do Homem." - Então, seus
discípulos compreenderam que fora de João Batista que ele falara. (S. Mateus,
cap. XVII, vv. 10 a 13; - S. Marcos, cap. IX, vv. 11 a 13).
Ressurreição e reencarnação
4. A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de
ressurreição. Só os saduceus, cuja crença era a de que tudo acaba com a
morte, não acreditavam nisso. As ideias dos judeus sobre esse ponto, como sobre
muitos outros, não eram claramente definidas, porque apenas tinham vagas e
incompletas noções acerca da alma e da sua ligação com o corpo. Criam eles que
um homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o
fato poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o que o
Espiritismo, mais judiciosamente, chama reencarnação. Com efeito, a
ressurreição dá ideia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a
Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos
desse corpo já se acham desde muito tempo dispersos e absorvidos.
A
reencarnação é a volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas em outro
corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum com o antigo. A
palavra ressurreição podia assim aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias,
nem aos outros profetas. Se, portanto, segundo a crença deles, João Batista era
Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João fora visto
criança e seus pais eram conhecidos. João, pois, podia ser Elias reencarnado,
porém, não ressuscitado.
5. Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos,
senador dos judeus - que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: "Mestre,
sabemos que vieste da parte de Deus para nos instruir como um doutor, porquanto
ninguém poderia fazer os milagres que fazes, se Deus não estivesse com ele."
Jesus lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode ver
o reino de Deus se não nascer de novo."
Disse-lhe Nicodemos: "Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a
entrar no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?"
Retorquiu-lhe Jesus: "Em verdade, em verdade, digo-te: Se um homem não
renasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. - O que é
nascido da carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. - Não te admires de
que eu te haja dito ser preciso que nasças de novo. - O Espírito sopra onde quer
e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem ele, nem para onde vai; o mesmo se dá
com todo homem que é nascido do Espírito."
Respondeu-lhe Nicodemos: "Como pode isso fazer-se?" - Jesus lhe observou:
"Pois quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Digo-te em verdade, em
verdade, que não dizemos senão o que sabemos e que não damos testemunho, senão
do que temos visto. Entretanto, não aceitas o nosso testemunho. - Mas, se não me
credes, quando vos falo das coisas da Terra, como me crereis, quando vos fale
das coisas do céu?" (S. JOÃO, cap. III, vv. 1 a 12).
6. A ideia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam reviver
na Terra se nos depara em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima
reproduzidas (nº 1, nº 2, nº 3). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera
deixado de a combater, como combateu tantas outras. Longe disso, ele a sanciona
com toda a sua autoridade e a põe por princípio e como condição necessária,
quando diz: "Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo." E insiste,
acrescentando: Não te admires de que eu te haja dito ser preciso nasças de
novo.
7. Estas palavras: Se um homem não renasce do água e do Espírito
foram interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo. O texto
primitivo, porém, rezava simplesmente: não renasce da água e do Espírito,
ao passo que nalgumas traduções as palavras - do Espírito - foram
substituídas pelas seguintes: do Santo Espírito, o que já não corresponde
ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros comentários a que
os Evangelhos deram lugar, como se comprovará um dia, sem equívoco possível. (1)
(1) A tradução de Osterwald está conforme o texto
primitivo. Diz: "Não renasce da água e do Espírito"; a de Sacy diz: do Santo
Espírito; a de Lamennais: do Espírito Santo.
À nota de Allan Kardec, podemos hoje acrescentar que as
modernas traduções já restituíram o texto primitivo, pois que só imprimem
"Espírito" e não Espírito Santo. Examinamos a tradução brasileira, a inglesa, a
em esperanto, a de Ferreira de Almeida, e todas elas está somente "Espírito".
Além dessas modernas, encontramos a confirmação numa
latina de Theodoro de Beza, de 1642, que diz:
"...genitus ex aqua et Spiritu..." "...et quod genitum est
ex Spiritu, spiritus est."
É fora de dúvida que a palavra "Santo" foi interpolada,
como diz Kardec. - A Editora da FEB, 1947.
8. Para se apanhar o verdadeiro sentido dessas palavras, cumpre também se
atente na significação do termo água que ali não fora empregado na
acepção que lhe é própria.
Muito imperfeitos eram os conhecimentos dos antigos sobre as ciências
físicas. Eles acreditavam que a Terra saíra das águas e, por isso, consideravam
a água como elemento gerador absoluto. Assim é que na Gênese se lê: "O
Espírito de Deus era levado sobre as águas; flutuava sobre as águas; - Que o
firmamento seja feito no meio das águas; - Que as águas que estão debaixo do céu
se reúnam em um só lugar e que apareça o elemento árido; -Que as águas
produzam animais vivos que nadem na água e pássaros que voem sobre a terra e
sob o firmamento."
Segundo essa crença, a água se tornara o símbolo da natureza material, como o
Espírito era o da natureza inteligente. Estas palavras: "Se o homem não renasce
da água e do Espírito, ou em água e em Espírito", significam pois: "Se o homem
não renasce com seu corpo e sua alma." E nesse sentido que a principio as
compreenderam.
Tal interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: O que é
nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Jesus
estabelece aí uma distinção positiva entre o Espírito e o corpo. O que é
nascido da carne é carne indica claramente que só o corpo procede do
corpo e que o Espírito independe deste.
9. O Espírito sopra onde quer; ouves-lhe a voz, mas não sabes nem donde
ele vem, nem para onde vai: pode-se entender que se trata do Espírito de
Deus, que dá vida a quem ele quer, ou da alma do homem. Nesta última
acepção - "não sabes donde ele vem, nem para onde vai - significa que ninguém
sabe o que foi, nem o que será o Espírito. Se o Espírito, ou alma, fosse criado
ao mesmo tempo que o corpo, saber-se-ia donde ele veio, pois que se lhe
conheceria o começo. Como quer que seja, essa passagem consagra o princípio da
preexistência da alma e, por conseguinte, o da pluralidade das existências.
10. Ora, desde o tempo de João Batista até o presente, o reino dos céus é
tomado pela violência e são os violentos que o arrebatam; - pois que assim o
profetizaram todos os profetas até João, e também a lei. - Se quiserdes
compreender o que vos digo, ele mesmo é o Elias que há de vir. - Ouça-o aquele
que tiver ouvidos de ouvir. (S. MATEUS, cap. XI, vv. 12 a 15).
11. Se o princípio da reencarnação, conforme se acha expresso em S. João,
podia, a rigor, ser interpretado em sentido puramente místico, o mesmo já não
acontece com esta passagem de S. Mateus, que não permite equívoco: ELE MESMO
é o Elias que há de vir. Não há aí figura, nem alegoria: é uma afirmação
positiva. -"Desde o tempo de João Batista até o presente o reino dos céus é
tomado pela violência." Que significam essas palavras, uma vez que João Batista
ainda vivia naquele momento? Jesus as explica, dizendo: "Se quiserdes
compreender o que digo, ele mesmo é o Elias que há de vir." Ora, sendo João o
próprio Elias, Jesus alude à época em que João vivia com o nome de Elias. "Até
ao presente o reino dos céus é tomado pela violência": outra alusão à violência
da lei moisaica, que ordenava o extermínio dos infiéis, para que os demais
ganhassem a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus, ao passo que, segundo a nova
lei, o céu se ganha pela caridade e pela brandura.
E acrescentou: Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. Essas palavras,
que Jesus tanto repetiu, claramente dizem que nem todos estavam em condições de
compreender certas verdades.
12. Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo; aqueles
que estavam mortos em meio a mim ressuscitarão. Despertai do vosso sono e entoai
louvores a Deus, vós que habitais no pó; porque o orvalho que cai sobre vós é um
orvalho de luz e porque arruinareis a Terra e o reino dos gigantes. (ISAÍAS,
cap. XXVI, v. 19).
13. E também muito explícita esta passagem de lsaías: "Aqueles do vosso povo
a quem a morte foi dada viverão de novo." Se o profeta houvera querido
falar da vida espiritual, se houvera pretendido dizer que aqueles que tinham
sido executados não estavam mortos em Espírito, teria dito: ainda vivem,
e não: viverão de novo. No sentido espiritual, essas palavras seriam um
contra-senso, pois que implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido
de regeneração moral, seriam a negação das penas eternas, pois que
estabelecem, em princípio, que todos os que estão mortos reviverão.
14. Mas, quando o homem há morrido uma vez, quando seu corpo, separado de
seu espírito, foi consumido, que é feito dele? -Tendo morrido uma vez, poderia o
homem reviver de novo? Nesta guerra em que me acho todos os dias da minha vida,
espero que chegue a minha mutação. (JOB, cap. XIV, v. 10,14. Tradução de Le
Maistre de Sacy).
Quando o homem morre, perde toda a sua força. expira. Depois, onde está
ele? -Se o homem morre, viverá de novo? Esperarei todos os dias de meu combate,
até que venha alguma mutação? (ID. Tradução protestante de Osterwald).
Quando o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha
existência terrestre, esperarei, porquanto a ela voltarei de novo. (ID. Versão
da Igreja grega).
15. Nessas três versões, o princípio da pluralidade das existências se acha
claramente expresso. Ninguém poderá supor que Job haja querido falar da
regeneração pela água do batismo, que ele de certo não conhecia. "Tendo o homem
morrido uma vez, poderia reviver de novo?" A ideia de morrer uma
vez, e de reviver implica a de morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja
grega ainda é mais explícita, se é que isso é possível: "Acabando os dias da
minha existência terrena, esperarei, porquanto a ela voltarei",
ou, voltarei à existência terrestre. Isso é tão claro, como se alguém dissesse:
"Saio de minha casa, mas a ela tornarei.".
"Nesta guerra em que me encontro todos os dias de minha vida, espero
que se dê a minha mutação." Job, evidentemente, pretendeu referir-se à luta que
sustentava contra as misérias da vida. Espera a sua mutação, isto é, resigna-se.
Na versão grega, esperarei parece aplicar-se, preferencialmente, a uma nova
existência: "Quando a minha existência estiver acabada, esperarei,
porquanto a ela voltarei." Job como que se coloca, após a morte, no intervalo
que separa uma existência de outra e diz que lá aguardará o momento de voltar.
16. Não há, pois, duvidar de que, sob o nome de ressurreição, o princípio da
reencarnação era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que
Jesus e os profetas confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a
reencarnação é negar as palavras do Cristo. Um dia, porém, suas palavras, quando
forem meditadas sem ideias preconcebidas, reconhecer-se-ão autorizadas quanto a
esse ponto, bem como em relação a muitos outros.
17. A essa autoridade, do ponto de vista religioso, se adita, do ponto de
vista filosófico, a das provas que resultam da observação dos fatos. Quando se
trata de remontar dos efeitos às causas, a reencarnação surge como de
necessidade absoluta, como condição inerente à Humanidade; numa palavra: como
lei da Natureza. Pelos seus resultados, ela se evidencia, de modo, por assim
dizer, material, da mesma forma que o motor oculto se revela pelo movimento. Só
ela pode dizer ao homem donde ele vem, para onde vai, por que está na Terra,
e justificar todas as anomalias e todas as aparentes injustiças que a vida
apresenta. (1)
(1) Veja-se, para os desenvolvimentos do dogma da
reencarnação, O Livro dos Espíritos, caps. IV e V; O que é o
Espiritismo, cap. II, por Allan Kardec; Pluralidade das Existências,
por PEZZANI.
Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências,
são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que hão
dado lugar a tão contraditórias interpretações. Está nesse princípio a chave que
lhes restituirá o sentido verdadeiro.
A reencarnação fortalece os laços de família, ao passo que a unicidade da existência os rompe
18. Os laços de família não sofrem destruição alguma com a reencarnação, como
o pensam certas pessoas. Ao contrário, tornam-se mais fortalecidos e apertados.
O princípio oposto, sim, os destrói.
No espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçados pela afeição,
pela simpatia e pela semelhança das inclinações. Ditosos por se encontrarem
juntos, esses Espíritos se buscam uns aos outros. A encarnação apenas
momentaneamente os separa, porquanto, ao regressarem à erraticidade, novamente
se reúnem como amigos que voltam de uma viagem. Muitas vezes, até, uns seguem a
outros na encarnação, vindo aqui reunir-se numa mesma família, ou num mesmo
círculo, a fim de trabalharem juntos pelo seu mútuo adiantamento. Se uns
encarnam e outros não, nem por isso deixam de estar unidos pelo pensamento. Os
que se conservam livres velam pelos que se acham em cativeiro. Os mais
adiantados se esforçam por fazer que os retardatários progridam. Após cada
existência, todos têm avançado um passo na senda do aperfeiçoamento. Cada vez
menos presos à matéria, mais viva se lhes torna a afeição recíproca, pela razão
mesma de que, mais depurada, não tem a perturbá-la o egoísmo, nem as sombras das
paixões. Podem, portanto, percorrer, assim, ilimitado número de existências
corpóreas, sem que nenhum golpe receba a mútua estima que os liga.
Está bem visto que aqui se trata de afeição real, de alma a alma, única que
sobrevive à destruição do corpo, porquanto os seres que neste mundo se unem
apenas pelos sentidos nenhum motivo têm para se procurarem no mundo dos
Espíritos. Duráveis somente o são as afeições espirituais; as de natureza carnal
se extinguem com a causa que lhes deu origem. Ora, semelhante causa não subsiste
no mundo dos Espíritos, enquanto a alma existe sempre. No que concerne às
pessoas que se unem exclusivamente por motivo de interesse, essas nada realmente
são umas para as outras: a morte as separa na Terra e no céu.
19. A união e a afeição que existem entre pessoas parentes são um índice da
simpatia anterior que as aproximou, Daí vem que, falando-se de alguém cujo
caráter, gostos e pendores nenhuma semelhança apresentam com os dos seus
parentes mais próximos, se costuma dizer que ela não é da família. Dizendo-se
isso, enuncia-se uma verdade mais profunda do que se supõe. Deus permite que,
nas famílias, ocorram essas encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos,
com o duplo objetivo de servir de prova para uns e, para outros, de meio de
progresso. Assim, os maus se melhoram pouco a pouco, ao contacto dos bons e por
efeito dos cuidados que se lhes dispensam. O caráter deles se abranda, seus
costumes se apuram, as antipatizas se esvaem. E desse modo que se opera a fusão
das diferentes categorias de Espíritos, como se dá na Terra com as raças e os
povos.
20. O temor de que a parentela aumente indefinidamente, em conseqüência da
reencarnação, é de fundo egoístico: prova, naquele que o sente, falta de amor
bastante amplo para abranger grande número de pessoas. Um pai, que tem muitos
filhos, ama-os menos do que amaria a um deles, se fosse único? Mas,
tranquilizem-se os egoístas: não há fundamento para semelhante temor. Do fato de
um homem ter tido dez encarnações, não se segue que vá encontrar, no mundo dos
Espíritos, dez pais, dez mães, dez mulheres e um número proporcional de filhos e
de parentes novos. Lá encontrará sempre os que foram objeto da sua afeição, os
quais se lhe terão ligado na Terra, a títulos diversos, e, talvez, sob o mesmo
título.
21. Vejamos agora as consequências da doutrina anti-reencarcionista. Ela,
necessariamente, anula a preexistência da alma. Sendo estas criadas ao mesmo
tempo que os corpos, nenhum laço anterior há entre elas, que, nesse caso, serão
completamente estranhas umas às outras. O pai é estranho a seu filho. A filiação
das famílias fica assim reduzida à só filiação corporal, sem qualquer laço
espiritual. Não há então motivo algum para quem quer que seja glorificar-se de
haver tido por antepassados tais ou tais personagens ilustres. Com a
reencarnação, ascendentes e descendentes podem já se terem conhecido, vivido
juntos, amado, e podem reunir-se mais tarde, a fim de apertarem entre si os
laços de simpatia.
22. Isso quanto ao passado. Quanto ao futuro, segundo um dos dogmas
fundamentais que decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas se acha
irrevogavelmente determinada, após uma só existência. A fixação definitiva da
sorte implica a cessação de todo progresso, pois desde que haja qualquer
progresso já não há sorte definitiva. Conforme tenham vivido bem ou mal, elas
vão imediatamente para a mansão dos bem-aventurados, ou para o inferno eterno.
Ficam assim, imediatamente e para sempre, separadas e sem esperança de
tornarem a juntar-se, de forma que pais, mães e filhos, mandos e mulheres,
irmãos, irmãs e amigos jamais podem estar certos de se verem novamente; é a
ruptura absoluta dos laços de família.
Com a reencarnação e progresso a que dá lugar, todos os que se amaram tornam
a encontrar-se na Terra e no espaço e juntos gravitam para Deus. Se alguns
fraquejam no caminho, esses retardam o seu adiantamento e a sua felicidade, mas
não há para eles perda de toda esperança. Ajudados, encorajados e amparados
pelos que os amam, um dia sairão do lodaçal em que se enterraram. Com a
reencarnação, finalmente, há perpétua solidariedade entre os encarnados e os
desencarnados, e, daí, estreitamento dos laços de afeição.
23. Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu futuro
de além-túmulo: 1ª, o nada, de acordo com a doutrina materialista; 2ª, a
absorção no todo universal, de acordo com a doutrina panteísta; 3ª, a
individualidade, com fixação definitiva da sorte, segundo a doutrina da Igreja;
4ª, a individualidade, com progressão indefinida, conforme a Doutrina Espírita.
Segundo as duas primeiras, os laços de família se rompem por ocasião da morte e
nenhuma esperança resta às almas de se encontrarem futuramente. Com a terceira,
há para elas a possibilidade de se tornarem a ver, desde que sigam para a mesma
região, que tanto pode ser o inferno como o paraíso. Com a pluralidade das
existências, inseparável da progressão gradativa, há a certeza na continuidade
das relações entre os que se amaram, e é isso o que constitui a verdadeira
família.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS
Limites da encarnação
24. Quais os limites da encarnação?
A bem dizer, a encarnação carece de limites precisamente traçados, se
tivermos em vista apenas o envoltório que constitui o corpo do Espírito, dado
que a materialidade desse envoltório diminui à proporção que o Espírito se
purifica. Em certos mundos mais adiantados do que a Terra, já ele é menos
compacto, menos pesado e menos grosseiro e, por conseguinte, menos sujeito a
vicissitudes. Em grau mais elevado, é diáfano e quase fluídico. Vai
desmaterializando-se de grau em grau e acaba por se confundir com o perispírito.
Conforme o mundo em que é levado a viver, o Espírito reveste o invólucro
apropriado à natureza desse mundo.
O próprio perispírito passa por transformações sucessivas. Torna-se cada vez
mais etéreo, até à depuração completa, que é a condição dos puros Espíritos. Se
mundos especiais são destinados a Espíritos de grande adiantamento, estes
últimos não lhes ficam presos, como nos mundos inferiores. O estado de
desprendimento em que se encontram lhes permite ir a toda parte onde os chamem
as missões que lhes estejam confiadas.
Se se considerar do ponto de vista material a encarnação, tal como se
verifica na Terra, poder-se-á dizer que ela se limita aos mundos inferiores.
Depende, portanto, do Espírito libertar-se dela mais ou menos rapidamente,
trabalhando pela sua purificação.
Deve também considerar-se que no estado de desencarnado, isto é, no intervalo
das existências corporais, a situação do Espírito guarda relação com a natureza
do mundo a que o liga o grau do seu adiantamento. Assim, na erraticidade, é ele
mais ou menos ditoso, livre e esclarecido, conforme está mais ou menos
desmaterializado. S. Luís. (Paris, 1859).
Necessidade da encarnação
25. É um castigo a encarnação e somente os Espíritos culpados estão
sujeitos a sofrê-la?
A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária para que eles
possam cumprir, por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus
lhes confia. É-lhes necessária, a bem deles, visto que a atividade que são
obrigados a exercer lhes auxilia o desenvolvimento da inteligência. Sendo
soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus
filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma
aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de
proceder.
Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça. Mas, a
encarnação para todos os Espíritos, é apenas um estado transitório. E uma tarefa
que Deus lhes impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que
farão do livre-arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa transpõem
rapidamente e menos penosamente os primeiros graus da iniciação e mais cedo
gozam do fruto de seus labores. Os que, ao contrário, usam mal da liberdade que
Deus lhes concede retardam a sua marcha e, tal seja a obstinação que demonstrem,
podem prolongar indefinidamente a necessidade da reencarnação e é quando se
torna um castigo. - S. Luís. (Paris, 1859).
26. NOTA. - Uma comparação vulgar fará se compreenda melhor essa diferença. O
escolar não chega aos estudos superiores da Ciência, senão depois de haver
percorrido a série das classes que até lá o conduzirão. Essas classes, qualquer
que seja o trabalho que exijam, são um meio de o estudante alcançar o fim e não
um castigo que se lhe inflige. Se ele é esforçado, abrevia o caminho, no qual,
então, menos espinhos encontra. Outro tanto não sucede àquele a quem a
negligência e a preguiça obrigam a passar duplamente por certas classes. Não é o
trabalho da classe que constitui a punição; esta se acha na obrigação de
recomeçar o mesmo trabalho.
Assim acontece com o homem na Terra. Para o Espírito do selvagem, que está
apenas no início da vida espiritual, a encarnação é um meio de ele desenvolver a
sua inteligência; contudo, para o homem esclarecido, em quem o senso moral se
acha largamente desenvolvido e que é obrigado a percorrer de novo as etapas de
uma vida corpórea cheia de angústias, quando já poderia ter chegado ao fim, é um
castigo, pela necessidade em que se vê de prolongar sua permanência em mundos
inferiores e desgraçados. Aquele que, ao contrário, trabalha ativamente pelo seu
progresso moral, além de abreviar o tempo da encarnação material, pode também
transpor de uma só vez os degraus intermédios que o separam dos mundos
superiores.
Não poderiam os Espíritos encarnar uma única vez em determinado globo e
preencher em esferas diferentes suas diferentes existências? Semelhante modo de
ver só seria admissível se, na Terra, todos os homens estivessem exatamente no
mesmo nível intelectual e moral. As diferenças que há entre eles, desde o
selvagem ao homem civilizado, mostram quais os degraus que têm de subir. A
encarnação, aliás, precisa ter um fim útil. Ora, qual seria o das encarnações
efêmeras das crianças que morrem em tenra idade? Teriam sofrido sem proveito
para si, nem para outrem. Deus, cujas leis todas são soberanamente sábias, nada
faz de inútil. Pela reencarnação no mesmo globo, quis ele que os mesmos
Espíritos, pondo-se novamente em contacto, tivessem ensejo de reparar seus danos
recíprocos. Por meio das suas relações anteriores, quis, além disso, estabelecer
sobre base espiritual os laços de família e apoiar numa lei natural os
princípios da solidariedade, da fraternidade e da igualdade.