Ninguém
lhe conhecia a origem. Ela aparecera em Magdala, numa ocasião em que a
cidade transbordava de estrangeiros, vindos das festas de Jerusalém e de
caravanas carregadas de especiarias do Egito.
A
cidade, também denominada de Migdol Nunaya no Talmude, era uma aldeia
de pescadores, na beira ocidental do lago de Genesaré. Os palácios se
erguem, ao longo da praia, entre os leques das palmeiras e a sombra dos
jardins.
Nas ruas
calçadas, trafegam os mercadores, soldados de escudo e lança,
publicanos, o povo. Pelas mãos circulam dracmas, sestércios, denários e
papiros cambiais aos sons do hebraico, aramaico, grego e latim.
Ela
chegara e logo adquirira fama: Maria. Logo se lhe acrescentara à
denominação, o nome da cidade: de Magdala. Era uma mulher de grandes
olhos nostálgicos e de longos cabelos caídos sobre as espáduas, como
onda escura de ouro.
Seu
palácio era procurado pelos príncipes das sinagogas, ricos negociantes,
opulentos senhores de terras e de escravos, funcionários de alta
categoria da administração herodiana, que lhe depositavam no regaço
moedas de ouro, joias, dracmas de prata, perfumes raros, presentes
exóticos.
Ela se dava ao
luxo de escolher quem lhe aprouvesse e se tornou detentora dos segredos
dos fariseus, aqueles que baixavam a cabeça na rua, com ares pudicos,
mas que a buscavam, embuçados em mantos negros, a horas mortas.
Maria,
de Magdala ou Madalena, contudo, não era feliz. Surda tristeza a
minava, entregando-se, por vezes, dias seguidos, à profunda amargura.
Espíritos infelizes a tomavam, em noites variadas, deixando-a alheada,
olhos perdidos no mistério de insondáveis distâncias.
Nessas
horas, as servas despediam, do átrio, todos os que a buscassem. Alguns
homens, sentindo-se preteridos, dobravam as ofertas pelas horas de
prazer que anteviam. Tudo em vão.
"Numa
noite de perfumes primaveris, instada por uma serva de confiança,
dedicada e fiel, permitiu um diálogo" (1) sobre o Rabi que andava pelas
estradas da Galiléia e da Judeia.
Sentiu
a esperança renascer, ante a informação de que aquele Rabi convivia com
os pecadores, os excluídos. Ele viera para encontrar o que estava
perdido.
Numa noite que
"balouçava luzes miúdas no firmamento escuro" (1), servindo-se de uma
embarcação, atravessou o lago e foi ter com Ele, em Cafarnaum.
Quando
Ele veio a Magdala, ela tomou de um vaso de alabastro que continha o
perfume do lótus. Custara-lhe o preço de um campo. Era seu presente ao
Amigo.
Sabendo-O em casa
de Simão, para lá se dirigiu. Como bom fariseu, Simão experimentava um
gozo particular em ostentar virtudes e recepcionar amigos, apresentando,
em seu palácio, personalidades que, por qualquer motivo, se tornaram
famosas.
Durante meses, após um banquete, os comentários persistiam na cidade, acerca dos personagens que sua casa acolhera.
Com
Jesus não fora diferente. Ele e dois de seus discípulos haviam
"merecido" a distinção de um banquete na rica vivenda de Simão.
Quase ao seu final, ouviram-se gritos e altercações. Depois, rompendo a segurança, Madalena irrompe na sala.
Tudo se deu tão rápido! Ela se arroja aos pés do Rabi que permanece impassível, na posição em que se encontrava.
Surdos
cochichos perpassam pelo ambiente. Simão se enche de cólera, ante o
epílogo desastroso do seu jantar. Teme mandar expulsá-la, porque sabe da
sua coragem e ousadia. Ela o conhece muito bem, bem como a tantos
outros que ali se apresentam como homens de honra.
Jesus
serve-se do momento para lecionar o Amor, exaltando o gesto daquela
mulher que ajoelhada a seus pés, rega-os com suas lágrimas, enxuga-os
com seus cabelos e os unge com o excelso perfume que impregna todo o
ambiente, concluindo: "Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe
são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado,
pouco ama."(Lucas, VII, 47)
Ergue-se a voz de Jesus com infinita majestade:
"Mulher, a tua fé te salvou; vai-te em paz."(Lucas, VII, 48)
"Na
manhã seguinte Magdala soube, pasmada, a notícia da conversão da
pecadora. Distribuíra tudo quanto possuía e, com o estritamente
necessário, iniciara nova vida." (1)
As vozes da desonra e do despeito sussurravam que ela voltaria às noites de prazer, que enlouquecera, que sempre fora louca.
Ela
se juntou aos que seguiam o Mestre. Discreta, mais de uma vez, recebeu a
bofetada da desconfiança. Sabia que não confiavam em sua renovação, nem
se davam conta de quantas tentações ela estava procurando sublimar.
Chegados os dias da denúncia de Judas, a prisão de Jesus, o julgamento arbitrário, ei-la, caminhando para o Gólgota, acompanhando-O.
Permaneceu
ao pé da cruz, junto a Maria e o discípulo João. "Quando a cabeça D'Ele
pendeu, desejou cingir-lhe outra vez os pés e osculá-los com ternura,
mas se sentiu imobilizada." (1)
No
domingo, indo ao túmulo com Joana de Cusa, Maria, a mãe de Marcos e
outras mulheres, encontrou a pedra do sepulcro removida, dobrados os
lençóis que lhe haviam envolvido o corpo.
Ela
temeu que os judeus houvessem roubado o seu corpo. Enquanto as demais
mulheres retornaram a Jerusalém a informar o ocorrido, ela permaneceu no
jardim, a chorar.
A
saudade feita de dor lhe estrangulava o peito, quando ouviu a voz d'Ele,
chamando-a pelo nome. O Mestre estava ali, vivo, radioso como a
madrugada recém nascida.
Foi
anunciar o fato aos discípulos, que não creram. Por que haveria Jesus
de aparecer a ela, logo para ela? Somente Maria, a mãe d'Ele a abraçou e
lhe pediu detalhes.
Os
dias que se seguiram foram de saudades e recordações. As notícias lhe
chegavam doces. O encontro com os jornaleiros dos caminhos de Emaús. A
pesca incomparável. A jornada a Betânia.
Após
40 dias, no Monte das Oliveiras, junto aos quinhentos discípulos, O viu
ascender lentamente, as mãos voltadas para eles, como num gesto de
afago, as vestes luminosas, desaparecendo ante seus olhos.
Desejou
então seguir com os novos disseminadores da Boa Nova. Temeram que sua
presença pudesse ser perniciosa, semeando desconfiança, naqueles dias
incipientes das luzes do novo Reino.
Ela
experimentou soledade e abandono e, para arrefecer a imensa saudade do
Rabi passou a andar pelas longas praias que tanto O recordavam.
Numa dessas tardes, encontrou leprosos que vinham de muito longe buscar o socorro da cura.
Ela os abraçou, dizendo-lhes que Jesus já partira. Deteve-se por horas a falar, saudosa, do que aprendera com quem era o Caminho, a Verdade e a Vida.
Depois, seguiu com eles ao vale dos imundos.
Sentindo
que a seiva da vida diminuía em suas veias, desejou rever a doce Mãe de
Jesus, aquela que tanto a afagara em suas amarguras, e foi a Éfeso,
morrendo às portas da cidade, sendo brandamente recolhida nos braços do
Amor não Amado.
Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - dezembro/2003
Bibliografia:
01.FRANCO,
Divaldo Pereira. A rediviva de Magdala. In:___. As primícias do reino.
Pelo espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.
02.SALGADO, Plínio. O abismo e a estrela.. In:___. Vida de Jesus. 21. ed., São Paulo: VOZ DO OESTE, 1978. pt. 3, cap. XLI.
03.ROHDEN, Huberto. Madalena. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap. 53.
04.Van Den Born, A. Dicionário enciclopédico da bíblia. Vozes, 1985.
05.XAVIER, Francisco Cândido. A mulher e a ressurreição. In:___. Boa nova. Pelo espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1963. cap. 22.
06.______. Maria de Magdala. Op. cit. cap. 20
02.SALGADO, Plínio. O abismo e a estrela.. In:___. Vida de Jesus. 21. ed., São Paulo: VOZ DO OESTE, 1978. pt. 3, cap. XLI.
03.ROHDEN, Huberto. Madalena. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap. 53.
04.Van Den Born, A. Dicionário enciclopédico da bíblia. Vozes, 1985.
05.XAVIER, Francisco Cândido. A mulher e a ressurreição. In:___. Boa nova. Pelo espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1963. cap. 22.
06.______. Maria de Magdala. Op. cit. cap. 20
Prezados,
ResponderExcluirAchei o conteúdo valioso e resumido de forma consistente.
É mpressionante e comovente a história de Maria Madalena.
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