Reproduzimos aqui o artigo intitulado Hora de descrença, publicado na coluna dominical "Chico Xavier pede licença" do jornal Diário de S. Paulo, na década de 1970.
Ele apresenta a mensagem Materialismo e atualidade,
ditada a Chico Xavier pelo espírito Emmanuel, que J. Herculano Pires
(com o pseudônimo Irmão Saulo) comenta por meio do seu texto Hora de fé.
HORA DE DESCRENÇA
Francisco Cândido Xavier
Amigos que nos visitavam, em conversação conosco, reportavam-se ao
grande número de pessoas que, na atualidade do mundo, mostram-se
desinteressadas pela fé religiosa.
Incluíam entre elas a parcela de companheiros do nosso ideal que,
embora continuem amparados pelas convicções espírita-cristãs, afastam-se
das atividades doutrinárias.
Detivemo-nos sobretudo na consideração dos irmãos de Humanidade que
se dizem afastados da ideia de Deus, que se declaram ateus, que afirmam
preferir a condição de materialistas à de religiosos, espíritas, médiuns
ou doutrinadores, em vista de conservarem os defeitos inerentes à
natureza humana.
Detivemo-nos também no caso dos muitos que se dizem descrentes em vista das conquistas científicas do nosso tempo.
Após tais considerações preliminares, foram iniciados os estudos da noite, com O livro dos espíritos
oferecendo-nos a questão 148, que suscitou muitos comentários
instrutivos. Encerrando nossas tarefas, Emmanuel escreveu a página Materialismo e atualidade.
MATERIALISMO E ATUALIDADE
Emmanuel
Nos mais diversos grupos religiosos temos companheiros que se
confessam desolados por desenganos e se retiram da fé, asseverando-se
dispostos a viver sem Deus.
Viver sem Deus para eles significa a demissão das disciplinas e
obrigações que nos freiam os impulsos inferiores e nos impõem os deveres
da educação própria.
Livres tais quais somos, procedem assim acreditando que se farão mais
felizes pela adoção de semelhante atitude. No entanto, não se sabe de
nenhum deles que haja chegado com isso à paz íntima, alicerce
fundamental da felicidade.
É que a consciência ocupa em nós muito mais espaço que todas as estruturas que nos constituem o corpo e a alma.
Na Terra de hoje, em nos reportando ao veículo físico,
transplantam-se peças determinadas e até mesmo certos órgãos podem ser
extraídos sem prejuízos para a existência da criatura. Não existe,
porém, qualquer cirurgia que atinja as forças da consciência. Será
possível alterar ou anestesiar funções do cérebro que lhes serve de
moradia, impedindo-se-lhes temporariamente as manifestações, mas todo
processo de sedação do campo mental, que não se filie ao critério
científico para efeitos de tratamento ou de cura, resultará sempre em
desequilíbrio do qual a vítima voltará à revisão de si mesma para o
necessário reajustamento.
Nenhum de nós foi criado para a irresponsabilidade.
Urge observar ainda que não somos tão ingênuos a ponto de admitir que
basta crer em Deus para que nos sintamos anjos, ao invés de criaturas
humanas.
Justamente por isso é que nos conhecemos nos débitos, defeitos,
imperfeições, deficiências e inclinações menos felizes que ainda nos
caracterizem a individualidade.
Entretanto, vale muito mais aceitarmo-nos como somos e aceitarmos os
outros como ainda são, trabalhando pelo bem de todos, sob a inspiração
da confiança em Deus, do que, a pretexto de virtude ou superioridade,
nos declararmos contra Deus, caindo na rebeldia ou no ódio, na violência
ou na sovinice, na inveja ou na criminalidade, no alcoolismo ou na
toxicomania, na sexualidade descontrolada ou nos desvarios da
inteligência.
Há quem diga, e com razão, que milhões de companheiros da Humanidade
se bandeiam neste século para o materialismo. Todos eles, porém,
permanecem no tumulto e na insegurança, procurando a paz e a alegria que
não encontram. E isso ocorre, inelutavelmente, porque todas vezes que
nos arvoramos contra Deus optam pela desorientação de nossa própria
vida.
Diante dos irmãos que se afastam dos templos e oficinas da fé
religiosa, oremos pela tranquilidade deles, porquanto se escolhem fugir
de Deus, alegando obstáculos e tribulações na estrada real para a vida
superior, muito maior serão as dificuldades com que se observarão
defrontando no terreno desconhecido em que se marginalizam. E
prossigamos atentos nas obrigações que nos cabem, claramente convencidos
de que todos aqueles companheiros nossos que pretendem a fuga de Deus
continuam em Deus, ante a impossibilidade de viverem sem a própria
consciência. Sofrem com a ausência de mais profunda intimidade, com as
tarefas alusivas à inspiração de Deus, suspiram pelo retorno à fé e se
atormentam com a sede de harmonia inferior, motivos pelos quais à
disciplina das leis de Deus todos eles voltarão.
HORA DE FÉ
Irmão Saulo
Não é por causa dos estudos e do progresso das ciências que os homens
se tornam materialistas, mas por causa do orgulho e da vaidade. Isso
afirma Kardec, em O livro dos espíritos, reproduzindo
instruções espirituais, na questão 148. E, a seguir, comenta: “Por uma
aberração da inteligência, há pessoas que não veem nos seres orgânicos
mais do que a ação da matéria, e a esta atribuem todos os nossos atos”.
Essa aberração da inteligência torna-se mais evidente em nossos dias.
A diagnose de Kardec foi de absoluta precisão. No momento exato em que a
cultura terrena perde as suas bases materiais e passa a girar na órbita
do espírito – é absurdo, simples absurdo, lamentável prova da
deformação da lógica pelo orgulho, a opção do materialismo. A matéria se
desfez em energia, e, portanto, em vibração, nas mãos dos físicos; a
descoberta da antimatéria revelou novo plano de vida; a astronáutica
abriu-nos a possibilidade de contato com outros mundos habitados; os
materialistas foram surpreendidos com a possibilidade de ver e
fotografar o corpo espiritual do homem, e puderam constatar que esse
corpo não se destrói com a morte.
Quais os dados que esses avanços do conhecimento oferecem a favor da
concepção materialistas? Só uma aberração da inteligência, uma
deformação da razão, pode levar alguém a deduzir, dessa enorme revolução
científica, que o materialismo saiu vitorioso. Os próprios filósofos
materialistas, como no caso de Bertrand Russell, viram-se obrigados a
estranhos malabarismos mentais para defender a sua concepção. Sartre, o
filósofo do nada, perdeu popularidade em favor de Heidegger, até há
pouco acusado de cair no misticismo.
É tolice dizer que o desenvolvimento atual das ciências favorece o
materialismo. O próprio Einstein afirmou, bem antes desses avanços mais
recentes: “O materialismo morreu por falta de matéria.” Quem opta pelo
materialismo, nesta altura da evolução científica, revela falta de senso
ou distúrbio do raciocínio. Seria o mesmo que Tomé dizer a Jesus
ressuscitado: “Se toco as tuas chagas é porque não morreste.”
A tendência para o materialismo é ainda muito comum entre os jovens.
“A juventude – disse Ingenieros – toca a rebate em toda renovação.” Os
jovens trazem a missão de renovar o mundo e por isso lutam contra os
princípios dominantes, rebela-se contra os sistemas tradicionais. A luta
da ciência contra a religião – o dogmatismo fideísta emperrando o
progresso – mostra-lhes de que lados estão as forças renovadoras. Eles
se alistam afoitamente desse lado. Mas o espiritismo transformou esse
quadro, revelando que a ciência também pode frear o progresso. Os dogmas
do materialismo científico são tão prejudiciais quanto os do fideísmo
religioso. E os moços começam a compreender isso.
Temos de ajudar os jovens, mostrando-lhes que o espiritismo não sofre
dos prejuízos do dogmatismo fideísta ou do dogmatismo religioso. Temos
de mostrar-lhes que a ciência espírita é hoje a posição de vanguarda.
Mas para tanto é necessário desenvolvermos a cultura espírita, criando o
clima adequado à compreensão da doutrina em sua plenitude e não apenas
no seu aspecto religioso. Ai dos que tentam afastar os jovens do Cristo,
subordinando-os à rotina dos velhos. O espiritismo é a juventude do
mundo, é a rebelião contra os erros do passado. Ele nos propõe uma hora
de fé, mas de fé racional, de fé pelo saber.
Fonte:http://www.fundacaoherculanopires.org.br/pedelicenca/horadedescrenca
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